Acasalamento de onça-preta registrado pela primeira vez na floresta amazônica

Em uma descoberta sem precedentes para a ciência e a conservação, um grupo de pesquisadores documentou pela primeira vez o acasalamento de uma onça-preta (Panthera onca) na natureza, na floresta amazônica. A observação, publicada recentemente na revista científica Ecology and Evolution, oferece uma janela única para a vida íntima de um dos felinos mais enigmáticos e elusivos do planeta.
A gravação foi feita com armadilhas fotográficas instaladas em uma reserva amazônica no Brasil, que inesperadamente capturaram a interação entre uma fêmea de coloração típica – com pelos dourados e manchas características – e um macho melanístico, mais conhecido como onça-preta. Embora o melanismo em onças-pintadas seja um fenômeno bem documentado, estimando-se que esteja presente em aproximadamente 10 a 15% das populações da espécie, tal cópula nunca havia sido registrada na natureza até agora.

A área da Amazônia brasileira onde a gravação foi feita. Foto: Amazon Biodiversity and Carbon Expeditions
A onça-preta alimenta mitos e lendas em comunidades indígenas e rurais em todo o continente. Seu sigilo e a dificuldade de avistá-la na natureza a transformaram em um símbolo de mistério e poder. Daí a importância dos registros científicos: pela primeira vez, foi demonstrado que onças-pintadas melanísticas se reproduzem ativamente na natureza, reforçando a ideia de que não se trata de uma anomalia marginal, mas sim de uma variação natural dentro da espécie.
"Esta descoberta muda nossa compreensão da ecologia reprodutiva das onças-pretas e abre novas questões sobre como elas interagem com indivíduos de coloração normal", explicaram os autores do estudo. Segundo os pesquisadores, a sequência de imagens mostrou comportamento de cortejo, acasalamento e subsequente interação pacífica entre o casal, algo raramente observado mesmo em onças com pelagem convencional.

Imagens de armadilha fotográfica do encontro entre as duas onças. Foto: Amazon Biodiversity and Carbon Expeditions
As onças-pintadas (Panthera onca) são os maiores felinos das Américas e vivem do México ao norte da Argentina. No entanto, a perda de habitat, o desmatamento e a caça ilegal reduziram drasticamente suas populações, colocando a espécie na categoria "Quase Ameaçada", segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
A descoberta desse acasalamento na Amazônia é especialmente relevante porque indica que ainda existem áreas saudáveis o suficiente para sustentar esses grandes predadores e permitir que completem seu ciclo de vida. "O acasalamento bem-sucedido é um sinal inequívoco de que os ecossistemas amazônicos ainda mantêm níveis de integridade ecológica que devemos preservar a todo custo", observaram os cientistas.
Além disso, os pesquisadores compararam o comportamento observado na natureza com o que se sabe sobre onças mantidas em cativeiro. Enquanto em zoológicos ou reservas particulares as cópulas são frequentemente acompanhadas de episódios de agressão, o registro amazônico mostrou um padrão mais calmo e tolerante entre os dois indivíduos. Isso pode ser devido a fatores ambientais, como a abundância de espaço, recursos e abrigo na selva.

A onça-pintada é uma espécie "quase ameaçada", segundo a IUCN. Foto: Ricardo Ortiz / Panthera
O melanismo em onças-pintadas é causado por uma mutação genética hereditária que afeta a produção de melanina, o pigmento responsável pelo escurecimento da pelagem. Longe de ser uma condição prejudicial, alguns especialistas acreditam que pode proporcionar vantagens adaptativas em habitats densamente vegetados, facilitando a camuflagem durante a caça noturna.
A confirmação de que onças-pintadas melanísticas se reproduzem com sucesso na natureza também tem implicações para a diversidade genética da espécie. Acasalamentos documentados demonstram que o melanismo pode ser transmitido naturalmente, aumentando a variabilidade dentro das populações amazônicas.
"Além da anedota, este registro nos ajuda a entender como o melanismo se mantém e se distribui nas populações de onças-pintadas. Cada novo filhote em potencial representa uma contribuição vital para a saúde genética da espécie", afirmou a equipe de pesquisa.
Os registros de acasalamento não representam apenas um avanço científico, mas também destacam o papel das tecnologias modernas na conservação. Armadilhas fotográficas silenciosas e discretas tornaram-se aliadas indispensáveis no estudo de espécies elusivas como a onça-pintada. Sem elas, eventos dessa natureza permaneceriam ocultos nas profundezas da selva.
Para as comunidades locais e os defensores da Amazônia, a notícia é um sinal de esperança em meio à crescente pressão do desmatamento e das atividades extrativistas. A existência de uma onça-preta e sua capacidade reprodutiva são um lembrete da riqueza biológica que ainda sobrevive na região e da urgência de protegê-la.
"Capturar um momento como este é como abrir uma janela para o coração da floresta tropical. Isso nos lembra que a Amazônia ainda guarda segredos e que cada dia perdido com o desmatamento é um golpe para esse patrimônio natural", concluiu a equipe científica.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo