PIB. Riscos ameaçam metas

Apesar de a economia portuguesa ter crescido nos três primeiros meses do ano, a subida ficou aquém do que estava previsto e abaixo do último trimestre do ano passado. Um comportamento que não surpreende os economistas ouvidos pelo Nascer do SOL, que também apontam para muitas incertezas em relação ao futuro.
De acordo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a economia portuguesa cresceu 1,6% em termos homólogos nos primeiros três meses do ano, após um crescimento de 2,8% no trimestre precedente e contraiu 0,5% face ao trimestre anterior, após um crescimento de 1,4% no trimestre anterior.
Números que levaram o próprio ministro das Finanças a reconhecer que a economia nacional deveria estar a crescer 3%. Ainda assim, Joaquim Miranda Sarmento referiu que esta queda não deveria causar surpresa e lembrou que, excluindo os primeiros trimestres de 2020 e 2022, períodos da pandemia de covid-19 e confinamentos, desde que Portugal entrou na zona euro nunca a economia nacional «tinha crescido tanto em cadeia como no quarto trimestre de 2024», «e agora está, de certa forma, a estabilizar dentro do que é a sua perspetiva de médio e longo prazo».
Ao nosso jornal, João César das Neves admite que esta desaceleração «não é um bom sinal», mas diz que este comportamento está «certamente ligado às dificuldades da economia mundial. Mas ainda é cedo para ter a certeza do que significa».
Já em relação à meta de 3% reconhece que deveria ser esse o objetivo, mas lembra que «para isso teria de haver alterações profundas, que não se veem».
Também António Nogueira Leite chama a atenção que do ponto de vista homólogo assistimos a um crescimento de 1,3%, o que no seu entender, é um número «razoável». Em relação ao último trimestre, comparando com os últimos três meses de 2024, diz que assistimos a uma quebra, mas refere que «o último trimestre de 2024 foi excecional porque houve um grande aumento do produto motivado por um grande aumento do consumo».
E o economista acena com vários fatores que levaram a este aumento do consumo: «Em boa parte porque uma parte substancial da população teve um aumento de rendimento em função da política orçamental do Governo. O Governo deu mais dinheiro aos professores, deu mais dinheiro aos reformados, deu mais dinheiro a uma data de gente. Quase na mesma altura, o Governo passou a financiar-se menos com os contribuintes, em que estes passaram a receber mais à cabeça, em vez de receberem no fim. Tudo isto teve um impacto grande no rendimento disponível das pessoas que levou a um aumento do consumo e que levou a um aumento de rendimento nacional nesse período que não foi acompanhado de seguida, nem era esperado que fosse», esclarece ao Nascer do SOL, referindo ainda que «o mais relevante é que a diferença face ao ano anterior, já que parece relativamente robusta».
Incertezas comprometem futuroNogueira Leite admite que o crescimento registado fica «um bocadinho abaixo» do que seriam as expectativas do Governo. Recorde-se que o Executivo estimava no Orçamento do Estado para 2025 um crescimento de 2,1% este ano. A AD prevê, no cenário macroeconómico inscrito no programa eleitoral, que o PIB vai crescer 2,4%.
Mas o economista mostra-se mais apreensivo em relação ao que irá acontecer até ao final do ano. «Neste momento ninguém sabe porque estamos num enquadramento geoestratégico, político e militar pelo mundo fora que tem muitos riscos. Além de mais, temos a questão das tarifas do Presidente Trump que se tornaram mais visíveis agora no princípio do ano. Ainda não sabemos como é que vão acontecer, qual é a sua dimensão porque está tudo em negociação».
E acrescenta: «Acho que não é impossível o cenário do Governo, mas no meu cenário é um bocadinho menos otimista. Estimo que este ano vamos ter um crescimento, algures entre 1,5 e 2%. O mundo está muito mais difícil do que esteve nos últimos anos. A Alemanha, que é um dos motores da Europa, tem problemas, a França, que é uma economia muito importante na Europa, tem um tremendo problema orçamental. O PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] ainda tem efeito, mas a certa altura esse efeito há de desaparecer, pelo menos, mais à frente».
Isto significa que, segundo o economista, todos os cenários em termos de perspetivas económicas estão em aberto. «Dependendo da guerra tarifária e da evolução de várias economias europeias podemos chegar perto das projeções do Governo ou ficar abaixo».
Também César das Neves em relação ao futuro não hesita: «Ninguém sabe. A situação é terrivelmente incerta, mas os sinais dominantes são negativos».
Já quanto ao impacto das eleições portuguesas e a estas últimas semanas de impasse, Nogueira Leite desvaloriza. «Desde que não façam disparates não estou preocupado. E como em princípio, não vamos ter um Governo os a extrema esquerda acho que a probabilidade de cometer muitos erros é mais baixa. Também não temos a certeza se vamos fazer as reformas necessárias, agora, o que me preocupa mais este ano é a conjuntura internacional porque tem um elevado nível de risco».
Economia nacional pode ter quebraEstas preocupações também têm eco junto de Eugénio Rosa ao lembrar que, do lado das importações, as tarifas retaliatórias europeias podem afetar setores sensíveis da economia portuguesa. «Em particular, a cadeia alimentar poderá ser impactada por eventuais restrições ou aumentos de preços em produtos agroalimentares oriundos dos EUA – como soja e milho – que são usados na alimentação animal. Isso poderá gerar aumentos nos custos de produção agrícola e pecuária, com reflexo nos preços ao consumidor de carne, ovos e laticínios. Esta pressão sobre os preços alimentares, num contexto já inflacionista, representa uma ameaça acrescida ao poder de compra das famílias portuguesas, especialmente as de menores rendimentos», salienta ao nosso jornal.
Por outro lado, o economista lembra que a política protecionista americana está a provocar um abrandamento generalizado da economia mundial, ao reduzir o comércio internacional e travar os investimentos. «Esse abrandamento traduz-se numa diminuição da procura global, o que já está a ter consequências nos preços de diversas commodities, como os metais industriais e os produtos agrícolas. O caso mais visível é o do petróleo, cujo preço por barril tem vindo a descer – a OPEP para contrariar tal tendência já anunciou a redução da produção -, refletindo-se também nos preços dos combustíveis, tanto nos EUA como na Europa. Embora esta descida possa aliviar, a curto prazo, a fatura energética portuguesa, também sinaliza riscos mais profundos para a atividade económica global», refere.
Riscos que, segundo Eugénio Rosa, irão ter «reflexos significativos no crescimento da economia portuguesa em 2025, que poderá sofrer uma quebra entre 0,5% e 1% do PIB, em comparação com as previsões anteriores à crise comercial das entidades oficiais. Esta desaceleração resulta não só da retração das exportações, mas também da queda do investimento empresarial, da travagem no consumo privado e da incerteza generalizada nos mercados». E defende que, face a esse cenário e à elevada exposição externa da economia portuguesa, é exigido «medidas estratégicas de mitigação e o reforço da resiliência interna».
O que está em causaDe acordo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o Produto Interno Bruto (PIB), em volume, registou uma variação homóloga de 1,6% no primeiro trimestre de 2025, após um crescimento de 2,8% no trimestre precedente. O contributo positivo da procura interna para a variação homóloga do PIB diminuiu nos primeiros três meses do ano, em resultado do abrandamento do consumo privado. Já o contributo negativo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB «foi mais acentuado», refletindo a desaceleração das exportações de bens e serviços.
Por seu lado, o contributo da procura externa líquida para a variação em cadeia do PIB foi negativo, enquanto a procura interna registou um contributo nulo, após terem sido positivos no trimestre anterior.
Resposta americanaAinda esta quarta-feira, a Reserva Federal (Fed) norte-americana manteve inalteradas as taxas de juro pela terceira reunião seguida. A Reserva Federal, liderada por Jerome Powell, referiu que «não tem pressa» para agir numa altura de alta incerteza, apesar de reconhecer que as tarifas determinadas por Donald Trump podem gerar um aumento da inflação, uma desaceleração do crescimento económico e um aumento do desemprego.
Ainda assim, Powell admitiu que os governadores querem «esperar para ver» o que vai resultar das negociações com vários países sobre as tarifas para perceber como devem agir. «Estamos confortáveis com a nossa postura de política, não sentimos que temos de estar apressados, quando as coisas se desenvolverem conseguimos mover-nos rápido», referindo ainda que, apesar de ser certo que vão ter um impacto, a sua duração ainda é incerta. «Os efeitos sobre a inflação podem ser de curta duração, refletindo uma mudança pontual no nível de preços, mas também é possível que os efeitos inflacionistas sejam mais persistentes», disse.
Quanto aos dados que mostraram uma contração da economia dos EUA no primeiro trimestre, o presidente da Fed apontou que a antecipação das importações afetou os indicadores, mas que os sinais da atividade económica continuam positivos. «Ainda é uma economia saudável», concluiu.
Jornal Sol