Itaipu tenta calar na Justiça quem critica gastos da usina

A Itaipu Binacional entrou na Justiça Federal contra os deputados federais Sandro Alex (PSD-PR) e Nelson Padovani (União Brasil-PR) por críticas públicas feitas pelos parlamentares contra a gestão petista da usina hidrelétrica e a destinação dos recursos para fins político-partidários, por meio de projetos socioambientais. Além disso, a Itaipu tem sido questionada pela falta de transparência e controle externo do orçamento da estatal no lado brasileiro.
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No ano passado, a Justiça Federal do Paraná atendeu ao pedido da Itaipu e determinou a retirada de um vídeo publicado na rede social Facebook pelo deputado Padovani, que acusava a estatal de incentivar invasões de terra por indígenas em áreas particulares em Guaíra e em Terra Roxa, na região noroeste do Paraná. A 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu concedeu uma liminar que assegurava "o imediato direito de resposta à Itaipu” e estipulava multa diária de R$ 100 mil ao Facebook e ao parlamentar, caso o vídeo fosse mantido.
Na decisão mais recente, a 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acatou o agravo apresentado por Padovani durante o julgamento virtual do recurso, em segunda instância, encerrado na última quarta-feira (7). Em seu voto, o relator do caso, desembargador João Pedro Gebran Neto, considera que “a concessão da medida liminar foi precipitada”.
O magistrado lembra da atuação do deputado como membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e como presidente da Subcomissão Especial da Itaipu Binacional, afirmando que o vídeo publicado “se distancia da ofensa de natureza pessoal”. Gebran Neto aponta que “os comentários veiculados estão inseridos em um contexto intrinsicamente relacionado ao desempenho das funções [parlamentares]”.
Retirada de vídeo sobre Itaipu viola imunidade parlamentar, afirma decisãoO deputado paranaense Nelson Padovani é um dos principais críticos à política defendida pelo governo Lula (PT) de reparação histórica aos indígenas pela construção da usina hidrelétrica, na década de 1970, na fronteira do Brasil com o Paraguai. As medidas em favor dos indígenas foram determinadas pelo diretor brasileiro de Itaipu, Enio Verri (PT-PR), aliado de Lula que se licenciou do cargo de deputado no Congresso Nacional para assumir o comando da empresa no início de 2023.
No final de março deste ano, Verri assinou a compra de 3 mil hectares de terras rurais que serão distribuídas a 31 comunidades indígenas que vivem em cinco municípios no oeste do estado. A aquisição custou R$ 240 milhões aos cofres da Itaipu Binacional, com a possibilidade de complementação dos valores em 2026.
Além de criticar a compra de terras, Padovani se manifestou contra a destinação de R$ 24,8 milhões para o projeto "Opaná: chão indígena", em convênio socioambiental com duração de 24 meses. Para o desembargador do TRF-4, a retirada do vídeo das redes sociais do deputado federal “parece violar a imunidade parlamentar”, pois não leva em consideração a atividade do legislador.
“Parece ter sido desconsiderado todo o contexto fático que permeia o comentário sobre o alegado incentivo da autora às invasões de terras por indígenas em áreas particulares em Guaíra e em Terra Roxa. Tais invasões e atos de violência, segundo a fala do recorrente, estariam ocorrendo após a Itaipu Binacional ter anunciado a compra de terras a serem ocupadas pelos indígenas”, ressalta o desembargador.
Padovani disse que Itaipu foi transformado em um “órgão ativista” que patrocina ONGs indígenas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Denunciei e demonstrei nos autos que a atual gestão de Itaipu contratou indigenistas que atuam para agitarem os índios com a promessa de ‘dívida histórica’ incentivando dessa forma, direta e indiretamente, as invasões”, declara o parlamentar em entrevista à Gazeta do Povo.
Em nota, a Itaipu respondeu que foi feito um acordo com Padovani durante a ação, no qual ele se comprometeu a não divulgar mais o vídeo sob pena de multa diária de R$ 10 mil pelo período de publicação.
Juiz cobra informação acessível ao invés de “criminalização da crítica”Em abril, a Justiça Federal do Paraná também rejeitou a ação criminal de autoria da Itaipu contra o deputado federal licenciado Sandro Alex, que comanda a Secretaria de Infraestrutura e Logística do governo Ratinho Junior (PSD), no Paraná. A empresa acusou o secretário estadual de difamação por causa de uma entrevista no dia 2 abril a um programa de rádio no município de Ponta Grossa (PR).
Segundo Itaipu, o secretário teve o “objetivo de enfraquecer a imagem” da usina binacional perante “a população, os governos e a comunidade internacional”. Na decisão, o juiz federal Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, afirma que Sandro Alex está amparado pelos princípios da liberdade de expressão e participação democrática.
A sociedade não pode ser silenciada, e a resposta à desinformação não é o processo penal, mas sim a qualificação do debate público”.
Juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu
“Embora contundentes, [as declarações] inserem-se em um contexto de debate acerca da aplicação de recursos públicos e da atuação de uma entidade binacional de grande relevância para o país”, destaca o juiz. O magistrado ainda comenta que as informações públicas necessitam ser debatidas com transparência, ao invés da “criminalização da crítica”.
“Se há divergências quanto à forma como a entidade é gerida e como os recursos são aplicados, o caminho adequado para dirimi-las é o da informação clara e acessível à sociedade, e não o da criminalização da crítica. A sociedade não pode ser silenciada, e a resposta à desinformação não é o processo penal, mas sim a qualificação do debate público”, afirmou Clementino.
Procurado pela Gazeta do Povo, o secretário estadual Sandro Alex disse que fez a crítica com base na repercussão de reportagens da imprensa sobre os gastos socioambientais da Itaipu e pela falta de transparência na prestação de contas, exercendo o papel de parlamentar, apesar de estar licenciado do cargo de deputado federal.
“Esse é um tema que preocupa os deputados no Congresso Nacional, pois ainda não foi criada a Comissão Binacional de Contas para fiscalização dos gastos da Itaipu, que sequer pode passar pela auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) por ser uma empresa supranacional”, avalia Sandro Alex. A Itaipu Binacional respondeu apenas que a ação contra o secretário estadual está em grau de recurso.
gazetadopovo