A culpa é do Trump!

A Europa em geral e a União Europeia em particular têm-se manifestado de forma dura contra o “The 2025 US National Security Strategy”. Trata-se de um documento que tem por base original o draft da Heritage Foundation, da equipa de campanha de Trump/Vance, e que foi recentemente dado a conhecer.
É um guia estratégico que a Casa Branca apresentou para orientar a política externa e de defesa dos EUA nos próximos anos. Como achei que havia naquele documento muitas afirmações válidas e me pareceu que os líderes europeus estão a reagir como os pais que repreendem os filhos em casa e se indignam quando alguém lhes chama a atenção sobre o comportamento deles, resolvi questionar a inteligência artificial.
Decidi ir à mais conhecida – o ChatGPT – mas, antes perguntei-lhe se tinha algum tipo de enviesamento ideológico que pudesse nublar as conclusões. O ChatGPT disse-me que tenta ser neutro, mas reconheceu ter uma potencial inclinação para a esquerda, algo que é amplamente corroborado por estudos académicos e comparações com outras Inteligências Artificiais como o Grok. Curiosamente, essa transparência inicial, ou talvez a confirmação de um viés conhecido, permitiu-me analisar as suas respostas com uma perspetiva informada, ciente de onde poderiam pender as suas generalizações. Fiquei descansado. Pelo menos neste tema poderei “confiar” no ChatGPT.
Pedi-lhe para me resumir o “The 2025 US National Security Strategy” (NSS) no que à Eurpoa diz respeito.
Depois pedi-lhe que fizesse o mesmo com o Relatório Draghi. O relatório de Mario Draghi (Future of European Competitiveness) é um documento de 2024, encomendado pela Comissão Europeia. A sua receção foi complexa, o debate foi intenso, mas genericamente bem recebido. Parece ter sido rapidamente esquecido devido às dificuldades políticas na sua implementação.
Enchi-me de coragem e fui mais longe. Pedi ao ChatGPT para me esclarecer sobre as parecenças e diferenças entre os dois documentos. Fiquei surpreendido, ou talvez não, com o que li: globalmente os dois documentos têm conclusões semelhantes.
Vamos então ao que cada um diz, em resumo.
O relatório Draghi fala no declínio estrutural e económico da Europa. O NSS fala no declínio da Europa com raiz na estratégia, na política e na ideologia. Ambos são unânimes quanto ao declínio. Draghi centra na vertente económica, os americanos na ideológica. Como a economia depende da ideologia, parece que não estão a falar de coisas muito diferentes. Draghi diz que a Europa é ineficiente. O NSS diz que a Europa é fraca. Se não nos detivermos nos detalhes, as conclusões não são muito diferentes. O relatório Draghi não refere os crescentes abusos de poder por parte dos governos europeus na restrição da liberdade de expressão dos seus cidadãos, mas estes abusos, referidos pelo NSS estão bem documentados em muitos países, com destaque para o Reino Unido.
As diferenças centram-se no facto de o relatório Draghi ser um documento técnico que apela a mudanças que exigem alterações estruturais e ideológicas, mas que este evita referir, enquanto que o NSS vai directo ao problema e refere as causas. Muitos de nós sabem que o modelo europeu está esgotado. Elevada dívida, baixo crescimento, baixa competitividade, baixa produtividade, desintegração social, incapacidade de ser autónoma na defesa, com uma população envelhecida e acomodada que não aceita perder regalias, são muitos os sinais claros de decadência.
Porquê a histeria então? Porque há um nome envolvido que tem de ser o culpado. Ou melhor, dois. Donald J Trump e JD Vance. Não importa o que dizem, importa quem são.
A verdade é que muitos de nós, europeus, reconhecemos a validade de alguns dos pontos americanos, mas hesitamos em aceitar a realidade e por isso procuramos, como é hábito, um culpado.
Lembro-me da Estratégia de Lisboa, lançada pelo Conselho Europeu em Março de 2000, um plano a 10 anos anunciado com pompa e circunstância e que tinha como objetivo central tornar a União Europeia “a economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e maior coesão social” até 2010. A estratégia assentava em três pilares principais: o pilar económico (investigação e desenvolvimentos), o pilar social (educação) e o pilar ambiental (sustentabilidade). Houve metas quantitativas e tudo. Mas, nada aconteceu, ou pior, aconteceu exactamente o contrário do pretendido 2010. Estamos em 2025 piores do que estávamos em termos comparativos com os EUA em 2000. E nem falar da China.
Os EUA alertam para erros estratégicos. A Europa desvia atenções e acusa os EUA de deixarem cair a Europa nas suas prioridades. Não foi o que a Europa sempre fez e ainda mais na gestão anterior e na actual de Trump? O que há de errado em um grande país zelar pelos seus interesses quando, ainda por cima, os seus aliados não zelam pelos seus e passam o tempo a enfrentar o “amigo”? se houvesse hoje um documento semelhante ao NSS com origem na União Europeia, não seria considerado normal? A União Europeia e o reino Unido deveriam fazer uma auto-análise das críticas e retirar as suas próprias conclusões. Ao contrário, preferem vitimizar-se e dizer que os EUA deixaram de ser aliados para estarem contra. Esquecem-se da dualidade de comportamento sistematicamente assumido ao dependerem dos americanos para a sua defesa e simultaneamente actuarem de forma arrogante com uma suposta superioridade civilizacional e moral, menorizando sistematicamente o seu principal aliado.
Porque será que a Europa não consegue olhar para dentro? Ou melhor, consegue, Draghi fê-lo embora de forma restrita e até teve aplauso, mas mais nada. Porque será então que a Europa não faz nada? Parece-me simples. A Europa construiu sociedades fortemente dependentes do Estado, com direitos muito para além da sua capacidade de os poder pagar, tem vindo a endividar-se de forma crescente, tem perdido competitividade, é agora forçada a ter de investir em defesa, o que retira meios que antes destinava a fins sociais e os governantes europeus pensam apenas no curto prazo, na sua manutenção no poder. Para isso, têm de manter os seus votantes satisfeitos e procuram noutras políticas camuflar os seus problemas. O melhor exemplo é o da imigração. Com a entrada de mão de obra o PIB cresce, o que pode dar folga no rácio da dívida/PIB, mas isso não aborda necessariamente o problema do rendimento per capita nem os desafios de integração social. Com o aumento do PIB ganha-se folga para mais endividamento porque não conta quanto se deve, mas qual a percentagem no PIB. Há problemas de integração? Isso é secundário para os interesses imediatos dos políticos.
Poderia dar mais exemplos de como a Europa está a avançar no seu processo auto-destrutivo.
Lembro-me da Argentina e penso que até que os europeus sintam na pele a realidade, as políticas não mudarão. E a culpa é do Trump.
observador



