Algarve: Sindicatos marcam greve de médicos, enfermeiros e auxiliares a 7 de agosto

André Gomes, dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul e membro do Conselho Nacional da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), anunciou, ao início da tarde de hoje, a marcação de mais uma greve de 24 horas, para quinta-feira, dia 7 de agosto.
A paralisação, convocada em conjunto com o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) e o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, abrangerá todas as unidades de saúde da região, incluindo hospitais e centros de saúde.
Em conferência de imprensa à porta do Hospital de Faro, André Gomes justificou que o protesto é mais uma reação a «algo que os três sindicatos se têm debatido com os sucessivos governos ao longo de anos. A carência de profissionais que se faz sentir (no Algarve) é uma consequência da não presença do governo nesta região. E é isso que queremos marcar»
O sindicalista responsabilizou o Ministério da Saúde e o governo, apontando também falhas à Unidade Local de Saúde (ULS) do Algarve.
«São os principais responsáveis, mas também há aspetos que a ULS Algarve tem de resolver, nomeadamente a abertura de concursos para, no caso dos médicos, assistentes séniores, algo que não tem feito».
Questionado sobre o efeito da greve em plena época alta, o dirigente sindicalista «admitiu que o Algarve é uma região que tem uma particularidade. Triplica ou quadriplica a sua população no verão, o que faz com que os cálculos e os rácios de profissionais sejam mais difíceis do que nas outras regiões. Mas o que posso dizer é que, se a manta já é curta para os meses de inverno, calculem então neste período».
Sobre os motivos que justificam a paralisação, Gomes insistiu que «o SNS está em rutura no Algarve. Exigimos ao governo que tome medidas efetivas para fixar aqui profissionais para que os nossos utentes possam ser tratados com o respeito que merecem, bem como todas as pessoas que visitam o Algarve, no período de verão. Precisamos de mais médicos, mais enfermeiros, mais assistentes operacionais e técnicos para podermos dar essa resposta. Isso só se faz de uma maneira, valorizando carreiras e valorizando salários».
Para o sindicalista, «é incompreensível que o Algarve não tenha sido agraciado com a abertura de vagas para zonas carenciadas, como o Alentejo e as zonas da Beira Interior e de Trás-os-Montes. Não percebemos esta política do governo e, portanto, partimos para esta forma de luta».
A escassez de profissionais tem levado a abusos na carga horária, alertou. «Traduz-se naquilo que se chama trabalho extraordinário. E o trabalho extraordinário no Algarve passou a ser trabalho do dia a dia, uma sobrecarga cada vez maior. No caso dos médicos, há um limite, como sabem, de 150 horas, mas que muitas vezes são ultrapassadas».
Para André Gomes, medidas como as USF modelo C ou PPPs «são maquilhagem para os problemas dos utentes».
Questionado sobre os concursos que ficam desertos, apontou falhas na estratégia do governo: «se calhar, os incentivos das zonas carenciadas não estão a ser bem direcionados. No caso dos médicos, duram apenas seis anos, por exemplo. Ninguém mudará a sua vida por completo para apenas usufruir de 40% durante seis anos. Quem é que pode suportar o preço de uma habitação no Algarve? O governo deve desenvolver medidas apropriadas a cada região do país e é isso que tem faltado».
Sobre os 350 médicos que a ministra da saúde anunciou para situações urgentes, disse desconhecer se algum foi alocado à região: «não tenho conhecimento. Há essa bolsa, caberá ao governo e às administrações poderem alocar esse pequeno recurso. Mas, como digo, isso é apenas um pequeno penso de um problema que é muito maior».
O pré-aviso de greve já foi entregue «no tempo legal necessário», assegurou, embora sem resposta da ULS Algarve até à data da conferência de imprensa.
E o sindicalista não excluiu novas paralisações: «vamos avaliar, quer a resposta dos trabalhadores, quer a resposta também do governo a esta nossa iniciativa. Também estamos aqui para negociar, mas, por vezes, temos de tomar formas mais agressivas de luta. Esta é a altura em que o Algarve está mais sobrecarregado e, portanto, este é um alerta definitivo para o governo. Ou toma medidas, ou o Algarve vai passar pelas mesmas situações todos os anos».
SEP: «O caos na saúde do Algarve já existe»Alda Pereira, dirigente regional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), no uso da palavra, considerou que a greve de 7 de agosto não vai agravar «o caos na saúde que já existe no Algarve».
«Quando temos cerca de uma centena de enfermeiros nesta ULS que pediram escusa de responsabilidade nas últimas semanas, estão a dizer que o Algarve está completamente exausto. Estão a dizer que os enfermeiros e todos os outros profissionais estão esgotadíssimos», justificou.
«Vamos dizer que basta e que é tempo de agir. Agora abriu um concurso para 90 enfermeiros, mas estima-se que no Algarve haja falta de cerca de 1.500».
A responsável regional do SEP criticou a lentidão nos processos: «os concursos aparecem, mas às vezes também demoram muito tempo a finalizar e algumas vezes não são preenchidas as vagas e outras, ao fim daquele tempo, os candidatos desistem, não vêm».
Também alertou para o problema da habitação: «vão aparecendo alguns candidatos, mas quanto custa uma casa no Algarve? Quanto custa um quarto? E quanto é que o enfermeiro ganha? Então, o problema não é o número de vagas de concurso, mas de condições».
A precariedade de condições leva ao burnout e à saída da profissão, alertou. «É a falta de condições de habitabilidade, é a falta de recursos materiais, a falta de recursos humanos. É estimado, e sabe-se na comunidade científica, que um em cada cinco portugueses sofre de uma perturbação mental. E as perturbações mentais que mais prevalecem são a ansiedade e a depressão. As pessoas, quando estão em serviços com ambientes caóticos, em que não têm tempo para parar, e que muitas vezes têm que seguir turnos, começam a ter sintomatologia ansiogénica e depressiva. Temos muitos profissionais de baixa em burnout. Muitos destes enfermeiros saem da profissão. Simplesmente saem».
Alda Pereira lamentou ainda que a última reunião do SEP com o conselho de administração da ULS Algarve tenha sido em fevereiro. «É um vazio, um buraco que nos leva zero respostas».
«Nós queremos negociar. Queremos o melhor para o Algarve, para o SNS, para os trabalhadores e para as pessoas que vivem no Algarve e para as pessoas que nos visitam também», concluiu.
Rosa Franco: «é raro o serviço que não tem um auxiliar a fazer 16 horas» por diaRosa Franco, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, reforçou que, caso a greve se concretize, quase todas as áreas serão afetadas: internamentos, blocos operatórios e serviços de radiologia funcionarão com serviços mínimos, para responder apenas às urgências.
Apontou a falta de trabalhadores como um problema comum a todas as categorias: «neste momento temos alguns trabalhadores a desempenhar funções como técnicos auxiliares de saúde há um ano, a ULS ainda não os transitou para a nova carreira».
«As pessoas que vêm trabalhar para a ULS, ao fim do segundo e terceiro turno, despedem-se por causa daquilo que a enfermeira Alda [disse]: o stress, a ansiedade, o acumular de serviço. A quantidade de serviço é tanta, que os meus colegas auxiliares desistem. Neste momento, é raro o serviço que não tem um auxiliar a fazer 16 horas».
Franco criticou o uso abusivo do trabalho suplementar: «nós temos a ULS, os hospitais, o CMR Sul e as SUBs a trabalharem com os trabalhadores a ultrapassarem tudo o que são as horas obrigatórias de trabalho suplementar. E não é com trabalho suplementar que a gente vai resolver o problema, é com contratação efetiva de trabalhadores».
Referiu ainda que os salários baixos afastam candidatos: «estão com o salário mínimo e não é qualquer pessoa que vem para aqui trabalhar com o salário mínimo, a fazer manhãs, tardes, noites e a ser maltratado. E nas folgas são chamados para vir trabalhar».
Segundo Rosa Franco, cerca de uma centena de trabalhadores da extinta ARS Algarve que transitaram para outros organismos do Ministério da Saúde, estão desde há meses sem tarefas atribuídas.
«Estão sem funções. Isto não é mais que assédio moral aos trabalhadores, porque estão proibidos de desempenhar qualquer função que seja. Picam, registam assiduidade, mas não têm funções», no edifício sede, em Faro.
Apesar da escassez de pessoal nos serviços centrais da ULS, estes trabalhadores, que incluem técnicos superiores, assistentes técnicos e enfermeiros, estão inativos: «temos colegas que até dizem que trabalhavam nos vencimentos e na assiduidade na ARS, que podiam ajudar, mas estão completamente proibidos de fazer seja aquilo que for para a ULS».
«Estão num limbo porque o Ministério não tomou uma decisão. Foi um processo muito mal feito».
O processo de extinção da ARS deveria estar concluído até ao final de 2024, mas os prazos têm sido adiados. «A comissão liquidatária deu o prazo de fevereiro e, segundo Rosa Franco, «agora dizem que é em outubro».
«E até outubro temos estes trabalhadores, que já estão em desgaste psicológico, e alguns deles mesmo com vontade de se despedir porque realmente não são condições de trabalho para ninguém».
Barlavento