Ricardo II: rei tirano e inventor do lenço de bolso

Depois de ter virado Londres do avesso, o grupo de manifestantes, liderado por Wat Tyler, exigiu falar com o rei, que, apesar das reticências dos seus conselheiros, teve de se deslocar pessoalmente a Smithfield. Durante o encontro, Tyler, que estava armado com uma faca, foi surpreendido por um dos soldados do rei e acabou morto. Indignados, os revoltosos pediram justiça. Num raro momento de lucidez e grande coragem, Ricardo II, então com 14 anos, dirigiu-se à população e garantiu que todas as suas exigências seriam respondidas, incluindo a abolição da servidão (o que acabaria por não acontecer). Na opinião de vários autores, incluindo Helen Castor, autora do mais recente livro sobre Ricardo II, The Eagle and the Hart, publicado em outubro de 2024, o encontro em Smithfield foi um ponto de viragem para Ricardo II, que experienciou assim, pela primeira vez, o poder da prerrogativa real, a que dava grande importância.
Em 1382, Ricardo II casou com Ana da Boémia, filha de Carlos VI, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e de Isabel da Pomerânia, e irmã de Venceslau IV da Boémia. O seu avô era João da Boémia, o rei cego que preferiu morrer numa última investida, com o seu cavalo preso aos dos seus cavaleiros, do que sobreviver desonrado à batalha de Crécy, travada em 1346 e vencida pelos ingleses. Impressionado com a coragem do rei da Boémia, o Príncipe Negro, um dos heróis da batalha, adotou a sua insígnia — uma pena de avestruz. Ricardo e Ana não tiveram filhos. Apesar da falta de descendentes, uma situação que podia ser usada para pedir a anulação de um casamento na Idade Média, o rei sempre mostrou ter uma dedicação inabalável pela rainha. Quando Ana morreu em 1394, com apenas 28 anos, Ricardo ficou profundamente abalado. A rainha foi sepultada em Westminster, num túmulo duplo erigido na capela de Eduardo, o Confessor, monarca e santo anglo-saxónico do século XI, padroeiro de Inglaterra até ao século XIV, quando foi substituído por São Jorge.
Com uma personalidade sensível e um gosto refinado, Ricardo era muito diferente do seu pai e do seu avô — nunca mostrou qualquer interesse pela guerra, preferindo o luxo e a cultura da corte ao desconforto de uma armadura e ao calor da batalha. Num esforço para por um ponto final no conflito com França, em 1396, casou com Isabel de Valois, filha do rei francês Carlos VI, que tinha apenas seis anos (Ricardo tinha 29). Ricardo II era um firme crente na prerrogativa real e preferia procurar apoio naqueles que lhe eram próximos do que escutar o Parlamento, cuja ação tentou restringir. A sua dependência num grupo de amigos influentes empurrou para a ação um grupo de aristocratas, que incluíam o seu tio, Tomás de Woodstock, e o seu primo, Henrique Bolingbroke, herdeiro do ducado de Lencastre, o mais rico de Inglaterra. Em 1388, na sequência do chamado Parlamento Sem Misericórdia, estes passaram a controlar o reino. Em 1391, o rei conseguiu recuperar o controlo. Após oito anos de um governo aparentemente pacífico, Ricardo decidiu vingar-se de todos os que tinham conspirado contra si, exilando a maioria, incluindo o seu primo, e arranjando o assassinato do seu tio. Após a morte do duque de Lencastre, Ricardo II deserdou Henrique, obrigando-o a agir. Em junho de 1399, o filho mais velho de João de Gante regressou do exílio e tomou o reino.
Ricardo estava na Irlanda quando Henrique desembarcou em Inglaterra, vindo do continente. Apressou-se a regressar, mas foi capturado na cidade de Chester e aprisionado no castelo do conde de Arundel, depois da maioria dos seus companheiros o terem abandonado. Foi depois levado para a Torre de Londres, onde, em setembro de 1399, foi obrigado a abdicar em favor do primo, o futuro Henrique IV. Foi o segundo rei inglês desde a conquista normanda, em 1066, a fazê-lo. O primeiro foi o seu bisavô, Eduardo II, que também se rodeou de favoritos, esquecendo-se do seu dever para com o reino e os ingleses. As tentativas levadas a cabo para tentar controlar o rei terão feito com que Ricardo II sentisse uma ligação especial com o seu antepassado, tendo tentado promover a sua canonização junto do Papa.
Em janeiro de 1400, um grupo de antigos cortesãos liderados por John Montagu, conde de Salisbury, conspirou para colocar Ricardo II novamente no trono. A rebelião foi rapidamente esmagada, mas tornou-se óbvio que o antigo rei não podia continuar vivo. Assim, em fevereiro do mesmo ano, Ricardo, filho do Príncipe Negro, foi assassinado no Castelo de Pontefract, em Yorkshire, onde se encontrava detido desde o final do ano anterior. O antigo rei queria ser sepultado em Westminster — catedral a que tinha dado especial atenção, patrocinando a reconstrução da entrada norte e de parte da nave — ao lado de Ana da Boémia, mas o seu desejo foi-lhe negado. Como destacou Alfred Thomas num livro sobre a corte de Ricardo II, “o seu enterro num mausoléu real altamente visível (…) representaria uma ameaça demasiado grande para o novo regime de Lencastre”. Foi, então, necessário chegar a um compromisso que, por um lado, preenchesse “a necessidade pragmática de mostrar publicamente o corpo do antigo rei, para que os rumores da sua sobrevivência fossem eliminados (tanto quando possível)” e, por outro, que negasse “o desejo de Ricardo de ser reunido com a sua falecida mulher”.
O corpo de Ricardo II foi esteve em câmara ardente na Catedral de São Paulo, em Londres, antes de ser transportado para King’s Langley, em Hertfordshire, onde foi sepultado no convento dominicano que tinha sido fundado por Eduardo II, o bisavô que ele tanto admirava. Em 1413, Henrique V, filho de Henrique IV, ordenou que o corpo do monarca fosse trasladado para Westminster e sepultado no túmulo que tinha sido construído na capela de Eduardo, o Confessor, ao lado de Eduardo III e a sua rainha, Filipa de Hainault.
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