O professor que decidiu dar um curso sobre Bad Bunny em Yale após ouvir o novo disco do cantor

Albert Laguna, professor da Universidade de Yale, uma das instituições de ensino mais prestigiadas dos EUA, afirma que compreender o sucesso de Bad Bunny não diz respeito apenas à indústria musical.
Benito Martínez Ocasio, nome de batismo do artista porto-riquenho de 31 anos, demonstrou ser um gênio do marketing, capaz de transformar a música em espanhol — e a cultura latina, em geral — em produtos que atravessam como nunca as fronteiras dos países hispânicos e conquistam públicos globais.
Em 2024, por exemplo, foi o cantor latino mais ouvido do mundo na popular plataforma de streaming Spotify. Seu novo álbum, Debí Tirar Más Fotos, manteve-se por semanas no top 10 mundial após seu lançamento em janeiro.
Mas seu impacto não se limita ao mercado da música, afirma Laguna, especialista em estudos culturais.
Com o passar dos anos, Bad Bunny adotou uma postura cada vez mais política. Em suas músicas — e também em aparições públicas — ele aborda temas como gênero, desigualdade, migração e a situação colonial da ilha onde nasceu, território dos EUA desde 1898.
Além disso, ele conseguiu reinventar o reggaeton, fundindo seu ritmo característico com gêneros como salsa, bachata, bomba e plena.
Laguna afirma que, por meio de suas letras e melodias, Bad Bunny constrói um mapa que permite compreender a história de Porto Rico e sua diáspora.
Segundo o doutor em literatura de origem cubana, tudo isso reforça a importância da influência indiscutível do artista porto-riquenho na música popular contemporânea.
Por essa razão, em setembro, Laguna oferecerá um curso sobre o "coelho mau" na Universidade de Yale.
O que significa incluir Bad Bunny no currículo de uma das universidades mais importantes do mundo? Como o professor pretende abordar a figura do artista em sala de aula? E qual foi a reação dos alunos ao saberem da nova disciplina?
"Parte do interesse nesse curso é o fato de que estou oferecendo essa disciplina na Universidade de Yale. Às vezes, pensa-se que Bad Bunny é uma coisa e Yale é outra. Meu trabalho é reafirmar que Bad Bunny tem seu lugar em Yale", afirma.
"Toda cultura popular tem seu lugar em Yale. Por meio de um artista como Bad Bunny, podemos entender o presente e o passado de Porto Rico, dos EUA e também como ele se tornou um fenômeno global."

A ideia de criar um curso sobre Bad Bunny surgiu quando Laguna escutou o novo disco do porto-riquenho, Debí Tirar Más Fotos, enquanto caminhava pelas ruas de Nova Orleans, cidade com forte herança caribenha.
"Meus alunos têm muito interesse em Bad Bunny, mas pouco conhecimento sobre a relação entre a ilha e os EUA", disse.
"Vou usar suas músicas para tratar de temas importantes tanto para a diáspora porto-riquenha quanto para quem vive no território.
Por exemplo, a música Nuevayol, que abre o álbum, faz referência a Un verano en Nueva York, música lançada em 1975 pela orquestra de salsa El Gran Combo de Puerto Rico.
"Quando ouvi um trecho dessa melodia no disco do Bad Bunny, fiquei em choque. Pensei: há algo diferente nessa produção", afirma.
Já TURiSTA que trata da indústria do turismo e de como há pessoas dos EUA que viajam para Porto Rico e se comportam como se fossem donas da ilha.
"Por meio do gênero salsa, que nasceu justamente em Nova York, podemos falar sobre o fluxo migratório de cubanos e porto-riquenhos para os EUA e a influência afro-caribenha no país."

O impacto cultural do artista, diz o professor, é levar o mundo para Porto Rico.
"Bad Bunny está fazendo uma residência de 30 shows em Porto Rico neste verão. Esses eventos, por si só, já são um ato político."
"Muitos artistas constroem um público em seu país de origem e depois levam sua cultura para o mundo", afirma.
"Ele está centrando seus shows na ilha, transformando-os em uma oportunidade para discutir os problemas locais."
Esse é outro ponto político do disco. Em suas letras, Bad Bunny insiste que Porto Rico deve ser para os porto-riquenhos. E ele faz isso em meio a uma situação econômica difícil, quando a ilha é administrada por uma Junta de Supervisão Fiscal nomeada pelos EUA.
"Ele busca dar visibilidade à relação colonial entre os dois países e como isso afeta os boricuas [como também são conhecidos os porto-riquenhos] hoje. Muitos norte-americanos ainda não sabem que Porto Rico é uma colônia do próprio país."
Para ele, isso ajuda os alunos a entenderem a realidade da diáspora, não só a porto-riquenha, mas a latina em geral, especialmente num momento em que o governo dos EUA tem adotado medidas mais restritivas em relação à migração.
"Para muitos imigrantes e latinos em geral, seu país de origem, a terra dos pais, é sempre uma referência quando vivem fora. Em Debí tirar más fotos, Bad Bunny explora e celebra essa conexão constante", afirma.
"Não se pode falar da história de Nova York sem Porto Rico, nem de Porto Rico sem Nova York. Não dá para falar de salsa sem falar de Nova York e da relação com a diáspora latina que fez da cidade sua casa."

Para Laguna, o impacto do Caribe na indústria musical não é suficientemente reconhecido.
"Não há referências suficientes. Essa é uma das razões pelas quais vou oferecer essa disciplina. De certa forma, com seu novo álbum, Bad Bunny oferece um curso de música. Não é só reggaeton com salsa, bomba ou plena — é uma combinação de gêneros", diz o professor, mencionando também a jíbara, ritmo das zonas rurais de Porto Rico.
"O disco abre caminhos para entender uma história mais ampla e, em particular, caribenha."
Laguna afirma que há, historicamente, uma ideia de que é muito popular é pouco sofisticado.
"No século 19, o danzón cubano era tratado como escândalo. Talvez, daqui a 50 anos, a gente ria de quem zombava e dizia que Bad Bunny também era isso", diz.
"Mas devo dizer que é importante manter uma perspectiva crítica. Meu trabalho como professor é compreender toda a complexidade de um produto cultural: como a música representa gênero, raça, etnicidade e outros temas."
A disciplina será oferecida em um momento difícil para as universidades dos EUA, quando suas políticas de diversidade vêm sendo questionadas pelo governo de Donald Trump, que inclusive cortou verbas por essa razão.
Recentemente, houve uma tentativa da administração de impedir que Harvard aceitasse estudantes estrangeiros. Para Laguna, o curso pode abrir espaço para que se continue debatendo raça, etnia e diversidade nas instituições de ensino do país.
"O que aconteceu com Harvard é uma postura anti-intelectual por parte do governo. Essa administração quer manter pessoas que considera 'diferentes' — imigrantes, porto-riquenhos — à margem, como se não fossem importantes", afirma Laguna.
"O que faço com esse curso é colocar Porto Rico no centro da discussão acadêmica. Isso nos permite entender os EUA como um poder imperial — algo que nossos estudantes raramente consideram."
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