Cora Sue Collins. Estrela infantil que o assédio afastou dos ecrãs

Às vezes é a morte que nos traz a notícia de uma juventude há muito perdida. Uma inocência de um tempo muito anterior ao nosso. Afinal, a quem diz alguma coisa, hoje, o nome de Cora Sue Collins? Chegou a vez dela, nesta que consegue ser muitas vezes a pior notícia do jornal. Mas quem se lembra desta atriz infantil que a partir do início dos anos 1930 apareceu em meia centena de filmes num espaço de 13 anos, contracenando com estrelas como Greta Garbo, Bette Davis, Myrna Loy e Merle Oberon, isto antes de interromper a carreira depois de ter sido assediada sexualmente por um argumentista? Collins morreu no passado dia 27 de abril na sequência de complicações de um AVC. Tinha 98 anos. Tinha-se varrido do imaginário popular, e poucos se lembrarão dos tempos em que a miúda rechonchuda, conhecida pelas covinhas, fez parte de uma constelação de estrelas infantis que incluía Shirley Temple, Mickey Rooney e Judy Garland. Collins, que fez 11 filmes em 1934 e outros 11 em 1935, desapareceu de súbito da atenção do público, mas de tempos a tempos ainda recordava com alguma nostalgia aquele período. «Devia ter uma cara muito comum», disse numa entrevista em 2014 ao jornal online Film Talk. E acrescentou: «Em criança, fiz todo o tipo de papéis. Acho que conseguiam maquilhar-me e fazer-me passar por qualquer tipo pessoa. Mas espero que não me estivessem a pagar sem que eu tenha feito alguma coisa por isso. Os filmes eram incrivelmente mágicos para mim nessa altura.»
Desenvolveu uma amizade com Garbo, que começou no cenário de Queen Christina, em que Collins interpretou Garbo em criança no aclamado filme de 1933 sobre a monarca sueca. A ligação entre as duas aprofundou-se quando foi depois escolhida para fazer de sua sobrinha em Anna Karenina (1935), tendo persistido pelo tempo até às suas visitas em adulta às casas de Garbo em Nova Iorque e Paris.
Um perfil de Collins publicado em 1935 no The Oakland Tribune dava conta de que ela tinha um Q.I. de 151 e que fora eleita a atriz infantil mais popular de Hollywood pelos seus pares. A autora do perfil, Marion Simms, estava com os Collins uma manhã quando o ator Pat O’Brien, que se tornara amigo de Cora Sue e a quem ela chamava ‘Tio Pat’, passou por lá para a levar à escola. Collins também contracenou com James Cagney em Picture Snatcher (1933), Bette Davis em All This, and Heaven Too (1940), Colleen Moore em The Scarlet Letter (1934) e Sylvia Sidney em Jennie Gerhardt (1933). Contudo, e como costuma acontecer a tantas outras estrelas infantis, a adolescência provou ser-lhe fatal, e os papéis foram diminuindo. Estava assim já bastante desanimada quando, pouco antes do seu 17º aniversário, foi vítima de assédio quando Harry Ruskin, um argumentista da MGM que ela via como uma figura paternal, lhe ofereceu um grande papel se ela dormisse com ele. Ela recusou, começou a chorar e bateu com a porta daquele escritório e de todos os outros em Hollywood.
«Eu teria dado o meu braço direito para ter ficado com aquele papel», reconheceu ela ao Film Masters, um consórcio de historiadores e entusiastas do cinema, em 2024. Contou ainda que, depois daquela reunião, deu conta do comportamento de Ruskin a Louis B. Mayer, o poderoso chefe dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer, ao qual ela estava contratualmente ligada. Mas a resposta que recebeu deste foi: «Vais habituar-te, querida». Pouco depois, Mayer perdeu a paciência e ameaçou impedi-la de voltar a trabalhar no cinema.
«Sr. Mayer, esse é na verdade o meu desejo», disse-lhe ela, acrescentando na tal entrevista: «Foi a melhor decisão da minha vida.»
Ali morreu o sonho, depois, aos poucos, o brilho e, por fim, a memória dos tantos papéis que representou.
Cora Sue Collins nascera a 19 de abril de 1927, em Beckley, Virgínia Ocidental. Os pais separaram-se quando ela tinha 3 anos, depois de a mãe ter descoberto que o pai tinha oferecido um casaco de vison à sua secretária no Natal. Cora Sue e a sua irmã mais velha foram levadas pela mãe para Hollywood de comboio. E não demorou muito para que o sonho a raptasse. Certa vez, quando a mãe ia matricular a irmã na escola, um carro enorme aproximou-se delas e lá de dentro saltou uma mulher que disse: «Desculpe, gostaria de pôr a sua filha no grande ecrã?». Assim o relatou Collins numa entrevista ao site Cinephiled em 2015. «Claro que a minha mãe disse: ‘Sim!’ E a mulher retrucou: ‘Entre no carro comigo, está a decorrer um grande casting na Universal’.»
Jornal Sol