50 anos depois, o poder local ainda é o motor de Portugal?

Meio século de democracia autárquica deu-nos concelhos mais modernos, conectados e dinâmicos. Mas também nos deixou perante uma questão urgente: conseguirá o poder local responder aos desafios da coesão territorial, da economia e do envelhecimento? Com as eleições à porta, é tempo de repensar o papel das autarquias como força motriz do futuro nacional.
Este ano, Portugal assinala 50 anos de poder local democrático. Desde as primeiras eleições autárquicas, em 1976, muito mudou. Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia levaram água potável a aldeias onde se vivia com poços, asfaltaram estradas que antes eram caminhos de terra batida, criaram redes de saneamento, abriram escolas, centros de saúde e bibliotecas. Em muitas localidades, foram as autarquias que trouxeram a cultura acessível a todos e que investiram no desporto como ferramenta de coesão social.
Ao longo de cinco décadas, o poder local foi mais do que um executor de políticas centrais: foi motor de transformação e modernização do país. Ao aproximar a decisão política do cidadão, deu voz a comunidades que antes viviam esquecidas. Foi na escala local que se testaram soluções inovadoras, muitas vezes antes de chegarem ao debate nacional. Mas, à medida que nos aproximamos de novas eleições autárquicas, a pergunta impõe-se: será que o poder local está preparado para enfrentar os desafios do próximo meio século?
O primeiro é-nos bastante evidente: um país desigual exige autarquias fortes. Portugal é um país profundamente assimétrico. Enquanto o litoral concentra população, serviços e investimento, vastas zonas do interior continuam a perder habitantes, sobretudo jovens, e a envelhecer a um ritmo preocupante. Este desequilíbrio territorial não é apenas um problema demográfico: é uma ameaça à coesão social, à competitividade económica e à sustentabilidade do próprio Estado Social.
É nas autarquias que reside, muitas vezes, a capacidade de inverter esta tendência. São elas que conhecem melhor o território e que podem agir de forma rápida e adaptada à realidade local. Mas, para isso, precisam de competências reais, recursos suficientes e autonomia administrativa que lhes permita mais do que gerir rotinas – precisam de espaço para pensar e executar estratégias de longo prazo.
Esta linha de pensamento guia-nos a uma luta conhecida, a descentralização. O discurso da descentralização repete-se há anos, mas a prática está longe de corresponder às promessas. Muitas competências foram “transferidas” para os municípios sem o correspondente envelope financeiro, transformando oportunidades em fardos orçamentais. Outras ficaram retidas no labirinto da administração central, que continua a tratar muitas decisões locais como se fossem meras extensões do ministério de turno.
Se queremos que o poder local seja um inequívoco motor de desenvolvimento, temos de lhe dar as ferramentas para agir. Isso significa garantir financiamento adequado e reduzir burocracias.
As campanhas autárquicas como as conhecemos continuam, em muitos casos, a girar em torno de inaugurações e promessas visíveis: mais rotundas, mais asfalto, mais obra de proximidade. É legítimo e até necessário investir nestas melhorias, mas é insuficiente.
Hoje, o grande teste para um município é saber como atrair e fixar população, criar emprego qualificado, apostar na transição energética, proteger o ambiente, promover a cultura e fomentar a participação cívica. É repensar o território para que seja lugar de vida e não apenas de passagem ou de turismo sazonal. É colocar as pessoas, e não apenas as obras, no centro da política local.
Falamos da democracia que vive na porta ao lado. O poder local é, por natureza, o nível de governação mais próximo do cidadão. É na câmara ou na junta que se resolvem problemas concretos: uma licença de obras, a reparação de uma rua, a organização de uma feira. Mas é também ali que muitos cidadãos têm o seu primeiro contacto com a política.
Reforçar a participação nas eleições autárquicas é reforçar a própria democracia. E aqui o papel dos jovens é crucial. Não basta vê-los como “futuro”, eles já são presente e têm de ser parte das decisões que moldam o lugar onde vivem.
Afinal, qual é o grande desafio dos próximos 50 anos? Olhar para trás é reconhecer que as autarquias foram, em muitos casos, a locomotiva do progresso. Olhar para a frente é perceber que não podemos dar isso por adquirido. O país precisa de autarquias mais fortes, mais inovadoras e mais responsáveis.
Se, em 1976, o desafio era reconstruir um país pobre e isolado, em 2025 o desafio será manter viva a proximidade democrática num mundo globalizado, digital e em rápida mutação. Para isso, é preciso coragem política para descentralizar de verdade, visão estratégica para pensar o território a 20 anos e capacidade para envolver todos — do centro da capital à freguesia mais remota.
O poder local foi, é e pode continuar a ser motor de Portugal. Mas só se tiver o combustível certo: autonomia e recursos crescentes. O resto é andar em ponto morto e o país não se pode dar a esse luxo.
observador