Portugal demorou mais três horas do que Espanha para reiniciar energia

Um passageiro apanha um autocarro no Campo Grande às escuras devido ao apagão que afeta Portugal de Norte a Sul e outros países europeus, em Lisboa, 28 de abril de 2025. O Governo criou um grupo de trabalho para acompanhar o apagão que afeta Portugal de Norte a Sul e outros países europeus e aponta que o problema “terá tido origem” fora de Portugal. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Portugal demorou o quádruplo do tempo face Espanha a arrancar com o mecanismo de reinício do sistema elétrico (conhecido por black-start) após o apagão ibérico no dia 28 de abril.
A conclusão é do relatório preliminar da associação europeia que junta as empresas gestoras da rede de transporte de eletricidade (ENTSO-E) que vai ficar responsável pela investigação pelo pior apagão das últimas décadas em Portugal e Espanha.
Neste momento, é consensual em Madrid e Lisboa que o arranque do apagão partiu de Espanha, mas o relatório preliminar da ENTSO-E lança mais pistas sobre o apagão e a resposta a este evento fatídico a 28 de abril em que as economias dos países ibéricos travaram a fundo.
Se Espanha conseguiu arrancar com as suas centrais em black-start uma hora depois do apagão, Portugal demorou quase quatro horas para arrancar com a primeiro central e quase cinco horas para arrancar com a segunda central. Face ao arranque de Espanha, foram quase 3 horas para a primeira central e quase quatro horas para a segunda central.
Depois do apagão pelas 11h33, hora de Lisboa, somente pelas 15h11 e 16h26 é que “as duas centrais com capacidade black start em Portugal tiveram sucesso no seu processo de arranque após tentativas prévias sem sucesso, permitindo iniciar a restauração do processo em Portugal com duas ilhas”, segundo a ENTSO-E.
Já em Espanha, “do início da restauração até às 13h30 CET [12h30 em Lisboa], várias centrais hídricas em Espanha com capacidade black-start lançaram os seus processos para iniciar a restauração do sistema”, isto é, uma hora depois do apagão pelas 11h33.
O apagão ibérico já foi classificado como “ICS 3 – Blackout”, o nível mais grave da escala internacional de incidentes” pela ENTSO-E, sendo o pior no velho continente desde 2006.
As duas centrais em black-start pertencem à EDP, a central de Castelo do Bode, e à EML, dona da central a gás da Tapada do Outeiro. O JE pediu um comentário às duas empresas, com a EML a rejeitar responder “neste momento”.
Já a EDP respondeu: “Em estreita coordenação com a REN, a EDP procedeu, com sucesso, à reativação da central de Castelo do Bode”, apontando que Espanha teve a ajuda das interligações internacionais para arrancar com o processo de reativação da rede, enquanto que a sua foi a “primeira” central ibérica a ser reativada, sem ter o auxilio de uma interligação.
“As tentativas de arranque estão dentro dos padrões de normalidade destes processos. Além da equipa técnica de base que assegura o normal funcionamento da operação de Castelo do Bode, foram igualmente acionadas equipas adicionais que, em minutos, se apresentaram no local. Juntas, conseguiram, fruto do elevado conhecimento técnico e fortíssimo empenho, contribuir de forma decisiva para a reposição de energia no país”, segundo fonte oficial do grupo EDP.
Durante o arranque, a central de Castelo de Bode não conseguiu ativar localmente o sistema e teve de recorrer a um gerador externo para a reativação, conforme revelou o “Expresso”.
No outro lado da raia, as barragens de La Muela e de Aldeadávila recorreram à bombagem e foram chave para o processo de arranque, passando de zero a 3 gigawatts em minutos. Formaram uma ‘ilha’ energética com uma frequência de 50 Hz antes de introduzir carga no sistema. As turbinas foram sendo ligadas uma a uma, sendo introduzida carga de forma doseada para o sistema não voltar a parar, explica o portal espanhol “Xataka”, um sistema semelhante ao que foi usado em Portugal. Depois, arrancaram as centrais de gás espanholas, antes de as renováveis voltarem. Marrocos deu uma ajuda ao injetar centenas de megawatts que foram cruciais para arrancar com centrais na Andaluzia e França também ajudou no norte do país ao arranque.
Em Portugal, os contratos anuais para as centrais de arranque autónomo têm custos diferentes. A central de Castelo de Bode custa 240 mil euros por ano, com a central da Tapada do Outeiro a custar 8.200 euros por arranque, mais o gás consumido a preço de custo, segundo a ERSE.
O Governo português anunciou a 29 de abril que quer mais duas centrais com mecanismo black-start para reiniciar mais rapidamente o sistema elétrico depois de um apagão: as barragens do Baixo Sabor, detida pelos franceses da Movhera, e a do Alqueva, detida pela EDP.
O administrador da REN João Conceição veio a público dizer que a recuperação da rede elétrica depois do apagão teria sido mais rápida com mais centrais com mecanismo black-start.
“Se tivéssemos mais centrais teríamos uma recuperação iniciada em diferentes pontos do país. Ter mais centrais em black-start permitiria criar ilhas em redor dessas centrais”, afirmou o responsável em entrevista à “RTP” a 29 de abril. “Tivemos a Tapada do Outeiro para o norte, Castelo do Bode para o sul. O Alqueva permitiria criar uma terceira ilha, e o Baixo Sabor uma quarta ilha”.
No seu relatório, a ENTSO-E destaca que houve “dois períodos de oscilações (mudanças de frequência e potência)” registadas meia-hora antes do apagão, com os operadores de rede de Espanha e França (Red Electrica e RTE) a “tomarem medidas para mitigar as oscilações. No momento do incidente, não existem oscilações” e as variações no sistema elétrico estavam dentro dos parâmetros normais.
Antes do incidente, Espanha estava a exportar para 3 países: 1 gigawatt para França, 2 gigawatts para Portugal e 8 megawatts (MW) para Marrocos:
1 – 11h32/11h33 – Várias perdas de eletricidade na rede no sul de Espanha que provocaram a perda total de 2.200 MW, sem registos em Portugal e França, com a frequência a recuar e a voltagem a aumentar em Portugal e Espanha.
2 – 11h33 – A frequência recuou para 0s 48 Hz e os planos automáticos de defesa das redes de Portugal e Espanha foram ativados
3 – 11h33 – As redes AC entre Espanha e França foram desligadas por motivos de segurança
4 – 11:33:24 – O sistema elétrico ibérico “colapsou completamente” e as linhas HVDC entre França e Espanha pararam.
Após o apagão pelas 11h33, os gestores da rede de Portugal, Espanha e França – REN, Red Electrica e RTE – “trabalharam juntos num esforço coordenado para restaurar a eletricidade nas regiões afetadas de França, assim como em Espanha e Portugal”.
A ENTSO-E detalha os principais passos pelos gestores de rede após o apagão:
-11h44 – uma primeira linha 400 kV entre Espanha e França voltou a ter eletricidade, no lado oeste dos Pirinéus
-12h04 – A interligação entre Espanha e Marrocos voltou a ser ativada.
-11h33-12h30 – Espanha reiniciou as suas centrais de black-start até uma hora depois do apagão: “várias centrais hidroelétricas em Espanha com capacidade black-start lançaram os seus processos de black-start para iniciar a restauração do sistema”.
-12h35 – Interligação na fronteira leste Espanha-França volta a ter eletricidade
-15h11 e 16h26, “as duas centrais com capacidade black-start em Portugal tiveram sucesso no seu processo de arranque após tentativas anteriores sem sucesso, permitindo a restauração do processo em Portugal com duas ilhas”.
-17h36, a primeira linha 220 kV entre Portugal e Espanha voltou a ter energia, permitindo “acelerar a restauração do sistema português”.
-20h35 – a linha sul de 400 kV entre Portugal e Espanha voltou a ter eletricidade.
-23h22 – o processo de restauração da linha de transporte foi completado em Portugal.
-3h00 de 29 de abril – o processo de restauração da linha de transporte ficou completo em Espanha.
Apagão ibérico está no “nível mais grave” da escala internacional
O relatório europeu sobre o apagão ibérico tem uma data-limite de entrega até 30 de setembro de 2026.
A data foi revelada na segunda-feira pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que adiantou que “o apagão ibérico será classificado como “ICS 3 – Blackout”, o nível mais grave da escala internacional de incidentes”, pela ENTSO-E, a associação que junta os gestores europeus das redes de transporte de eletricidade.
Desta forma, “o mais tardar 6 meses após o final do incidente, o painel de peritos elaborará um relatório factual que constituirá a base do relatório final – no caso concreto, nunca depois de 28.10.2025”.
Já o relatório final sobre a investigação do incidente deverá ser publicado o “mais tardar até à data da publicação do Relatório Anual dos ICS relativos a 2025 da ENTSO-E- no caso concreto, nunca depois de 30.9.2026”.
A ERSE explica que o painel de peritos “investigará as causas do incidente, elaborará uma análise exaustiva do ocorrido e formulará recomendações num relatório final que será publicado pela ENTSO-E”.
Antes da publicação do relatório final, o painel de peritos “publicará um relatório factual abrangente com todos os detalhes técnicos sobre o incidente. Além disso, a ENTSO-E fornecerá atualizações regulares à Comissão Europeia e aos Estados-Membros da União Europeia, incluindo relatórios de progresso da investigação ao Grupo de Coordenação da Eletricidade”.
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