Desmoralizar a imigração (2.ª parte)

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Desmoralizar a imigração (2.ª parte)

Desmoralizar a imigração (2.ª parte)

Na última edição desta coluna lancei a seguinte ideia: em abstrato, a imigração não é boa nem é má — não deve sequer ser objeto de uma posição moral. Depende, sim, da forma como ocorre e das circunstâncias específicas de cada país.

No caso dos EUA, ajudou a transformar o país naquilo que é: a maior superpotência do mundo. Os EUA foram construídos por imigrantes e continuaram a atrair todo o tipo de imigrantes: os pouco qualificados, em busca do sonho americano e fundamentais para assegurar que o país funcionava; e os altamente qualificados, de Einstein a Nikola Tesla, que contribuíram com ciência e inovação de ponta de que ainda hoje o mundo beneficia.

No caso de Portugal, decorreu de uma necessidade. A indústria recorre abundantemente a imigrantes. Esta situação não é, aliás, um exclusivo da indústria. Hotelaria, restauração, agricultura e sobretudo a construção, todos se queixam do mesmo: uma enorme dificuldade em contratar e vagas que só é possível preencher com recurso a imigrantes.

A ideia de que é difícil contratar porque os salários nestes setores são baixos é frágil: a verdade é que a maior parte dos portugueses, sobretudo gerações mais novas que estudaram e se especializaram, não estão disponíveis para irem apanhar mirtilos para Sever do Vouga ou para fazerem entregas de comida, mesmo que tivessem um acréscimo salarial de 20 ou 30%. Não estou a fazer um juízo sobre estas escolhas — apenas a constatar aquilo que é uma evidência de uma geração altamente qualificada. Preferem emigrar.

A imigração, ainda que pouco qualificada, resolve um problema se devidamente regulada do ponto de vista de mercado de trabalho: a entrada pressupõe um contrato de trabalho, pelo que entram pessoas na exata medida das necessidades do país.

Ocorre que não foi isso que aconteceu nos últimos anos. A elevada permissividade da política migratória permitiu que qualquer pessoa entrasse em Portugal e só depois regularizasse a sua situação.

Com isto, o mercado de trabalho pode ter ficado desequilibrado: houve uma entrada muito considerável de pessoas, o que, é fácil de compreender, pode pressionar em baixa os salários dos menos qualificados. Marx chamava aos desempregados o exército de reserva de mão-de-obra, exército esse que contribuía para manter os salários baixos. O racional é simples: se houver muita gente desempregada, disponível para trabalhar, maior é a probabilidade de existir alguém que, em desespero, aceite um salário baixo.

Uma elevada taxa de imigração não qualificada pode ter precisamente o mesmo efeito que Marx acusava os capitalistas de causar (a despropósito, as taxas de desemprego são hoje muito, muito inferiores às registadas no tempo de Marx, o que significa que ou Marx estava errado, ou os capitalistas são maus a explorar o trabalho). Ou seja, pode causar uma pressão negativa sobre os salários, contribuindo para que estes não subam tanto ou mesmo que baixem em termos reais.

O impacto social também é bastante assimétrico e pode mesmo ser regressivo: os portugueses de elevadas qualificações beneficiam de serviços mais baratos e do trabalho destes imigrantes não qualificados, enquanto que os portugueses menos qualificados competem pelos mesmos trabalhos e podem mesmo ver os seus salários estagnar.

Para além do impacto económico, a imigração pode também levantar desafios do ponto de vista de assimilação e/ou integração cultural. Aqui, importa não coletivizar os imigrantes: todos são indivíduos e são únicos, não podendo ser tratados por igual, mas devem rever-se nos nossos valores fundacionais, caso contrário a integração torna-se impossível. Sobre este aspecto da imigração, talvez o mais importante, falarei na próxima crónica.

Jornal Sol

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