Declarações incorretas do presidente Gustavo Petro sobre o sistema de saúde: não é verdade que as dívidas do EPS chegam a US$ 100 bilhões.
Várias das declarações do presidente Gustavo Petro feitas durante seu discurso presidencial e na subsequente reunião do Conselho de Ministros em 15 de julho geraram polêmica devido ao seu tom, suas implicações legais e, acima de tudo, à veracidade dos dados usados para embasar sua avaliação do sistema de saúde.
Discurso presidencial do Presidente Gustavo Petro.Foto:Presidência
Por isso, no EL TIEMPO, revisamos algumas dessas declarações em detalhes em um exercício de verificação de fatos para compará-las com números oficiais, relatórios técnicos e análises independentes. Estas são algumas das declarações feitas pelo presidente ontem e sua comparação com dados oficiais de relatórios da Superintendência de Saúde, da Controladoria Geral da União e de outras entidades estaduais:
“O dono da Keralty é um criminoso na Colômbia.”
Uma das declarações mais controversas foi a do presidente de que "o dono da Keralty é um criminoso na Colômbia" e que faria todo o possível para "tirá-lo do país", mesmo que isso significasse ir até o Rei da Espanha. Essa acusação surge sem respaldo judicial, visto que o presidente da Keralty, Joseba Grajales, não foi condenado no país e, portanto, não pode ser considerado criminoso.
De fato, nesta quarta-feira, Grajales enviou uma carta aos funcionários do Keralty Group e ao público em geral, na qual afirmou que o governo nacional desencadeou uma "campanha sistemática de desinformação, repleta de mentiras, calúnias e insultos". O executivo anunciou que a empresa iniciará ações judiciais contra o presidente Petro, membros de sua equipe e terceiros envolvidos.
"Apresentaremos acusações perante tribunais nacionais e internacionais não apenas contra o presidente Gustavo Petro, mas também contra os membros de seu governo que colaboraram na disseminação dessas mentiras e contra qualquer pessoa ou entidade — pública ou privada — que tente prejudicar, por ação ou omissão, a imagem deste grupo, de suas instituições ou das pessoas que o compõem", alertou Grajales.
O proprietário global da Keralty, Joseba Grajales, enviou uma mensagem aos seus funcionários.Foto:EL TIEMPO. Captura de tela.
"A dívida em 31 de dezembro de 2024 é de US$ 32 trilhões. Devo dizer que o valor da dívida está incorreto; eles não têm economistas. (...) Estamos falando de mais de US$ 100 trilhões de pesos."
Após a apresentação do relatório da Controladoria, que afirma que as dívidas do EPS chegam a 32,9 bilhões de pesos, o presidente afirmou ontem que o valor do relatório elaborado pelos especialistas da entidade é incorreto e que as dívidas, na verdade, são superiores a 100 bilhões de pesos.
“A dívida em 31 de dezembro de 2024 é de US$ 32 trilhões. Devo dizer que o valor da dívida está incorreto; eles não têm economistas. O valor deve ser trazido para pesos constantes de 2020 a 2024. O segundo erro metodológico é não trazer os passivos deixados pelas liquidações ao seu valor presente. A dívida é real, mesmo que contadores que atuam como economistas a apaguem, e estamos falando de mais de US$ 100 trilhões de pesos”, disse o presidente Petro.
Esta alegação também carece de suporte técnico e não é corroborada por dados oficiais da Superintendência Nacional de Saúde ou da Controladoria-Geral da União. Também não é possível inferir se, como afirma o Presidente, as demonstrações financeiras do EPS são ajustadas pela inflação. De fato, os EPS são regidos pelas Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS) para valores reportados, de modo que tanto passivos quanto ativos são apresentados a preços de mercado. Essa metodologia reconhece as variações na avaliação das obrigações e direitos dessas empresas a qualquer momento.
De acordo com os dados disponíveis, a dívida reconhecida e quitada pelos EPSs a terceiros, reportada nos catálogos de informações financeiras submetidos à Superintendência Nacional de Saúde em 2023, é de US$ 24 bilhões. Isso de acordo com os dados disponíveis no formulário FT004 da Superintendência, que, de qualquer forma, não inclui as dívidas da Nueva EPS, que não declara dívidas há dois anos e administra 26% dos membros do sistema e mais de US$ 24 bilhões em recursos anuais.
Por outro lado, segundo o relatório técnico da Controladoria, as dívidas somam US$ 32,9 trilhões de pesos até 2024; este relatório é a análise mais completa e atualizada já realizada sobre a carteira de EPS no país.
Nesse sentido, tanto a Superintendência de Saúde quanto a Controladoria-Geral da União concordam com os números de dívida reportados pelas EPSs, e divergem do que afirmou o Presidente Petro, que, sem apresentar laudo técnico que embasasse suas afirmações, afirmou que a dívida é superior à reportada pelos órgãos responsáveis pela análise desses dados.
De fato, assim que o presidente Petro terminou seu discurso, o Ministério da Saúde emitiu um comunicado confirmando que a dívida acumulada do EPS chega a US$ 32 bilhões.
pesos, negando as reivindicações do presidente Gustavo Petro.
Superintendente de Saúde Giovanny Rubiano se reúne com lideranças da EPS (Serviços de Saúde).Foto:Supersalud
"Se eu somar todos eles (os EPSs intervencionados), reduzimos a dívida dessas entidades em 707 bilhões. Estancamos o vazamento."
O Presidente Petro também apresentou uma tabela mostrando a redução da dívida de seis EPS intervencionadas. Quatro delas (Sanitas, Famisanar, Emsanar e SOS) tiveram sua dívida reduzida, enquanto outras duas (Nueva EPS e Asmet Salud) tiveram sua dívida aumentada. Nesse sentido, o Presidente afirmou que, se todas as EPS intervencionadas fossem combinadas, a dívida dessas entidades teria sido reduzida em "707 bilhões".
No entanto, a apresentação omite, sem explicação, a dívida de três EPSs que também estão atualmente sob intervenção. São elas: Coosalud, com uma dívida declarada de US$ 2,5 bilhões, Savia Salud, com US$ 1,2 bilhão, e Capresoca, com pouco mais de US$ 300 bilhões. No total, essa omissão equivale a US$ 4 bilhões, de acordo com o relatório de dívida da Controladoria.
Além disso, o mesmo relatório da Controladoria Geral da União afirma o seguinte na página 41: “Apesar das medidas de intervenção da Superintendência Nacional de Saúde, as EPS intervencionadas não cumprem um ou mais indicadores de condições financeiras e de solvência, de modo que suas condições não melhoraram após sua intervenção, situação preocupante, pois essas medidas são dadas no âmbito da correção de falhas financeiras e administrativas, situação que não é evidente”.
O presidente omitiu dados de três prestadores de serviços de saúde sob intervenção: Savia Salud, Capresoca e Coosalud.Foto:Presidência
"Transferimos 87 bilhões, e o EPS registrou apenas 85 bilhões, que era legalmente obrigatório entregar ao Estado colombiano."
O presidente também afirmou que o Estado transferiu 87 bilhões de pesos e o EPS registrou apenas 85 bilhões, deixando um déficit de pouco mais de 2 bilhões de dólares. "Transferimos 87 bilhões e o EPS registrou apenas 85 bilhões, entregues por obrigação legal ao Estado da Colômbia. Ou seja, eles dizem que receberam 85 bilhões e nós transferimos 87, quase 88. Para onde vai o dinheiro? A diferença ali é de apenas 2,71 bilhões. (...) Aqui, 2,71 bilhões foram roubados naquele mesmo ano, e não há processo judicial, e isso deve ser denunciado ao superintendente, aos tribunais, ao Ministério Público. Isso é um crime contra a humanidade. A promotora deve dizer que sim, demore ou não, bem, ela verá. Espero que o Conselho de Estado não a derrube", disse Petro.
No entanto, essa declaração só seria possível de verificar se as informações financeiras de todas as EPSs do sistema fossem públicas. Atualmente, a Nueva EPS, sob o controle da Supersalud (Superintendência de Saúde), não apresenta suas demonstrações financeiras desde 2023. Considerando que essa seguradora abrange aproximadamente 26% da população e administra mais de US$ 24 bilhões em pesos, é impossível conhecer a situação financeira agregada do sistema de saúde.
A Nueva EPS tem mais de 11 milhões de membros e administra mais de US$ 24 bilhões em recursos anuais.Foto:EL TIEMPO
“Não se sabe para que são utilizados os recursos de saúde.”
O presidente afirmou durante seu discurso na televisão nacional que "não sabemos como os recursos de saúde são utilizados". Isso não é verdade. É possível saber como os recursos de saúde são gastos. Por exemplo, o banco de dados do Registro de Prestação de Serviços Individuais relata um corte de 557 milhões de consultas em 2024. Quase 6 em cada 10 colombianos utilizaram algum serviço de saúde. Foram realizadas 181 milhões de consultas (gerais e especializadas), mais de 335 milhões de procedimentos não cirúrgicos (laboratoriais, de imagem, de reabilitação, etc.) e US$ 17,5 milhões em procedimentos cirúrgicos.
Além disso, o sistema oficial SISMED registra a venda de quase 20 bilhões de pesos em medicamentos pelo canal institucional, 60% dos quais destinados ao tratamento de câncer, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes, diabetes e medicamentos anti-hemorrágicos e antitrombóticos. O ministério tem conhecimento de todas essas informações.
Até 2024, de acordo com a Conta de Alto Custo, o sistema atenderá aproximadamente 610.000 pacientes com câncer, 2,3 milhões de diabéticos, quase 190 pessoas com HIV, 1,3 milhão de pacientes renais e 6,2 milhões de pessoas com hipertensão. Todos esses serviços são devidamente identificados individualmente pelo sistema e reportados ao Ministério da Saúde.
É possível saber como os recursos do sistema de saúde são gastos.Foto:iStock
"Temos um dos piores sistemas de saúde do mundo; ele está destruindo o estado colombiano."
Segundo o presidente, a Colômbia tem "um dos piores sistemas de saúde do mundo", o que "está destruindo o Estado colombiano". Essa afirmação é falsa. Um estudo de 2022 da Associação Colombiana de Hospitais e Clínicas (ACHC), que analisou os sistemas de 94 países ao redor do mundo, classificou o nosso país em 39º lugar. No mesmo ano, o Índice de Inclusão em Saúde da revista The Economist nos classificou em 22º lugar entre 40 países avaliados, a maioria deles de alta renda. A verdade é que todos esses indicadores pioraram.
Em 2024, o Índice de Inclusão em Saúde nos colocou em 26º lugar. E, embora o ACHC não tenha renovado seu estudo, questionou amplamente as condições deterioradas de prestação de serviços de saúde no país e o pagamento a hospitais e clínicas, que vêm se deteriorando e cujos atrasos continuam a crescer. No entanto, essas não são as únicas áreas em que o sistema se deteriorou.
Apesar das falhas, o sistema de saúde colombiano recebeu uma avaliação positiva.Foto:iStock
"O relatório da Controladoria diz que a reforma da saúde precisa ser aprovada, ou isso vai fracassar."
Embora tenha atacado os técnicos e especialistas da Controladoria que elaboraram o relatório técnico sobre a dívida, o presidente afirmou que o documento "diz que a reforma da saúde precisa ser aprovada, ou tudo isso vai por água abaixo". Essa afirmação é falsa. O relatório da Controladoria, que menciona uma dívida de US$ 32,9 bilhões, não garante que o projeto de reforma do governo seja aprovado.
Relatório da Controladoria fala em US$ 32,9 trilhões em dívidas até 2024.Foto:Milton Diaz / El Tiempo