Presidente Petro aumenta a aposta e joga a carta da radicalização / Análise de Ricardo Ávila

Mesmo para um Presidente da República que fez da palavra o seu instrumento mais poderoso, a semana que acaba de terminar foi particularmente intensa em termos de discursos. Depois de falar longamente com os estagiários do Sena na terça-feira na Praça de Armas da Casa de Nariño, Gustavo Petro continuou com os prefeitos do país reunidos em Cartagena na quarta-feira, viajou para Cubará (Boyacá) na quinta-feira e concluiu seu percurso na sexta-feira nos municípios de Tibú e Ocaña, no Norte de Santander.
Em cada ocasião, o presidente foi combativo com seus críticos, duro com seus próprios funcionários e propôs iniciativas como a extensão do horário escolar. Seu tom positivo e animado o fez parecer alguém que estava começando no cargo, e não alguém cuja administração havia acabado de passar da marca dos mil dias.
Talvez esse ritmo tivesse a ver com o objetivo de ganhar as manchetes e demonstrar presença no território antes de embarcar no avião que decolou ontem para a China. Mas observadores também apontam que há uma clara intenção de aumentar o volume do discurso presidencial, já que o vento contrário que o líder do Pacto Histórico enfrenta há meses agora sopra com menos força.
Um comunicado divulgado pela própria assessoria de imprensa do Palácio nesta segunda-feira indicou que Petro "encerra abril e inicia maio com uma clara recuperação de sua imagem pública, segundo duas pesquisas divulgadas recentemente pelas empresas Invamer e Cifras y Conceptos". Em ambas as pesquisas, a percepção favorável ao chefe do Executivo é a maior em mais de dois anos.
O relatório oficial acrescenta que o ocorrido está relacionado à estratégia de transmissão das sessões do Conselho de Ministros pela televisão aberta e à melhoria de vários indicadores económicos, a começar pela queda do desemprego. Ele conclui afirmando que “este cenário marca um novo momento político para o presidente, assim como começou a corrida para que o Senado defina, em menos de um mês, a proposta do referendo”.
Ruído extremo Essa circunstância ocorre num país onde o que os especialistas caracterizam como “conversa pública” está num nível tal que chega a ser espantoso. Segundo o analista Leonardo García, 70 milhões de postagens foram registradas na rede X dentro do território colombiano nos primeiros quatro meses de 2025. “Além de alguns picos pontuais, há um fluxo permanente de opiniões, o que mostra que a máquina que alimenta as polêmicas está sempre ligada”, enfatiza.
Ainda mais impressionante é saber quais questões fazem diferença para os cidadãos. Assim, mais de um terço do que é discutido na plataforma mencionada (36%) está relacionado à política e ao governo. Essa proporção excede em muito as seguintes categorias: segurança e conflito, seguidas por economia e negócios. Ao contrário do que se possa pensar, apenas 10% está relacionado ao entretenimento, que inclui show business e futebol.
Quem domina essa cena é ninguém menos que Gustavo Petro. García observa que "seja diretamente ou por meio de terceiros relacionados, ativismo vinícola e mídia pública, o Presidente traz a questão que lhe interessa à mesa". E acrescenta: “Em contraste, nenhum dos seus adversários chega perto dele, e tudo o que conseguem é ser reativos.”
Isso dá origem a uma atmosfera de confronto permanente. Especificamente, 42% das conversas públicas na Colômbia são negativas, em comparação com 47% de notícias e 11% positivas. Mais do que ideias, o debate gira em torno de pessoas, com um tom de evidente polarização.
Embora esta fotografia possa assemelhar-se a outros eventos recentes, a mudança de tendência é perceptível desta vez. Voltando às pesquisas, a pesquisa da Invamer mostra uma melhora líquida de 11 pontos percentuais no índice de desempenho presidencial (cinco pontos a mais em aprovação e seis pontos a menos em desaprovação). O principal motivo, da perspectiva do público, é o ressurgimento do apoio dos jovens, tanto em Barranquilla e Cartagena, quanto em Cali e Bogotá.
Não menos impressionante é o que mostra o Levantamento Polimétrico de Figuras e Conceitos. A primeira coisa que chama a atenção é que, em comparação à pesquisa realizada em novembro passado, os cidadãos que se identificam com a esquerda passaram de 17% para 25%, um aumento que ocorreu principalmente às custas daqueles que se identificam com o centro (48%).
Ao mesmo tempo, aqueles que acreditam nas propostas do governo aumentaram de 19 para 25 por cento no mesmo período, enquanto aqueles que discordam diminuíram de 27 para 22 por cento. O exposto acima sugere que houve um evento que determinou esse tipo de reviravolta, dando um sopro de ar fresco a uma administração que tem o sol a seu favor.
"Essa alta se deve ao fracasso da reforma trabalhista e ao consequente lançamento do referendo", afirma César Caballero, fundador da Cifras y Conceptos. "Aos olhos do povo, o que aconteceu confirma o argumento do presidente de que o Congresso não aprovará suas propostas sociais e, por isso, ele deve recorrer ao povo, ideia com a qual a maioria da população concorda", afirma.
Além disso, o fracasso da proposta — cujo elemento mais atraente é a redefinição do horário de trabalho diurno e do adicional de horas extras — é consistente com a alegação de que o governo quer mudar as coisas, mas não tem permissão para isso. Essa linha, alimentada por ataques à oligarquia e às elites supostamente conspiradoras, também permite a desculpa das deficiências do Executivo, já que a culpa pelo descumprimento das promessas sempre recairá sobre terceiros.
"Para muitos colombianos, Petro representa a mudança. Ele é alguém com quem se sentem conectados e é visto não como um representante do Estado, mas como alguém que está ao lado do povo contra um Estado injusto dominado por poucos", afirma o especialista Miguel Silva. “Dito isso, os estudos que fiz também mostram que as pessoas o veem como alguém desordenado e com problemas de dependência”, observa ele.
Jogo de xadrez Contudo, nada do que aconteceu recentemente seria tão importante se a contagem regressiva para as eleições de 2026 já não tivesse começado. Dada a relativa proximidade da eleição às urnas, quem domina a narrativa tem vantagem sobre os outros, sejam indivíduos ou partidos.
Segundo César Caballero, o que está em andamento é uma estratégia mais focada em tornar o Pacto Histórico a força dominante no Capitólio do que em manter o poder. Na opinião do pesquisador, não é tão importante se o referendo obtém os votos necessários para ultrapassar o limite exigido para se tornar efetivo, mas sim se ele é contado.
"Por um lado, é uma forma de reagrupar as tropas, porque se alguém se inclinar pelo sim no referendo que pode ocorrer em outubro ou novembro, é provável que também se aliste nas fileiras dos petistas com vistas às eleições legislativas de março próximo", ressalta. “Por outro lado, essa é uma forma de demonstrar aos parlamentares que buscam a reeleição que há um apoio popular significativo e que é do interesse deles estarem com o Pacto Histórico”, conclui.
Alcançar uma forte representação parlamentar influenciará o resultado das eleições presidenciais. Embora no papel pareça improvável que a esquerda permaneça na Casa de Nariño, ela pode aspirar ao surgimento do que é conhecido como um "candidato dobradiça", ou seja, alguém que não agite a bandeira do antipetrismo, mas que incorpore algumas de suas propostas e reconheça seus sucessos, como a melhoria das taxas de emprego ou a redução da pobreza.
Mas tudo depende da atitude de Gustavo Petro nos próximos meses. Dentro de seu círculo de assessores, alguns acreditam que a medida necessária é radicalizar sua retórica e suas decisões, o que explica um nível cada vez mais extremo de combatividade, que inclui atacar frontalmente não apenas seus oponentes políticos, mas também líderes sindicais, líderes empresariais, a mídia e formadores de opinião de vários tipos.
Atuar nesse campo é tentador, principalmente para quem ainda se considera um revolucionário cujo destino é deixar sua marca. Além de uma retórica mais inflamada, isso seria acompanhado de medidas contra diversos setores, sempre visando punir a presença do setor privado em áreas que, segundo a ideologia do presidente, pertencem à esfera pública. Além da saúde, há fornecimento de energia e infraestrutura, entre outros.
Para alguns, também parece atraente estreitar os laços das relações internacionais. Além da visita à China, que foi mal recebida em Washington, tudo indica um embate com os Estados Unidos sobre o combate às drogas e o reconhecimento dos esforços da Colômbia nesse sentido. Sanções à parte, um confronto com Trump serviria para inflamar o sentimento nacionalista junto com o sentimento antiamericano e, por sua vez, culpar outra pessoa por qualquer perturbação econômica séria.
Considerando isso, é inegável que o aumento da temperatura acarretaria muitos perigos. A primeira é afetar o bem-estar da população se o ambiente piorar significativamente e os bolsos de muitos começarem a ser afetados.
No círculo de assessores do governo, há quem acredite que o discurso deva ser radicalizado, o que explica o nível cada vez mais extremo de combatividade contra a oposição.
A economia pode estar crescendo mais rápido do que há um ano, mas as perspectivas estão longe de ser sombrias. A inflação ainda não voltou ao normal, e o ambiente global é inquietante, tornando ainda mais difícil resolver o quebra-cabeça mais complexo de todos: a deterioração maciça das contas fiscais. Com um déficit crescente e custos de empréstimos mais altos, a Colômbia está brincando com fogo se não resolver seus gastos excessivos.
Somado a isso, haveria uma polarização ainda pior, que tornaria impossível chegar a entendimentos mínimos ao lidar com emergências nacionais. Um clima mais adverso dificultaria a construção de pontes com o Pacto Histórico, além da possibilidade de ele entrar num ciclo vicioso movido pelo extremismo e pela temida combinação de formas de luta.
Como se não bastasse, há também um agravamento dos problemas já identificados, a começar pela deterioração da segurança interna. A situação da saúde é bem conhecida e tende a piorar, afetando centenas de milhares de famílias.
Novos escândalos de corrupção ou disputas internas no poder executivo podem impactar a governabilidade e levar à rejeição pública. E isso pode punir uma administração governamental repleta de erros e improvisações. Também não devemos subestimar uma oposição que até agora tem sido fraca e desorganizada, mas que pode ganhar terreno se conseguir retomar a iniciativa.
Portanto, Gustavo Petro deve ser o primeiro a reconhecer os riscos que corre se continuar no mesmo caminho que vem trilhando nas últimas semanas. Talvez o maior erro, do ponto de vista político, seja acreditar que sua melhora nas pesquisas é sólida e permanente, o que lhe dá espaço para aumentar ainda mais as apostas. Se você cometer um erro, você não será o único afetado.
eltiempo