Antidepressivos podem causar efeitos colaterais por mais tempo do que você imagina

A estudante Brenda Schulz, 25, de Vitória (ES), passou por um longo tratamento com o uso de medicamentos antidepressivos. Foram três anos, no total. Conforme o avanço da terapia, com acompanhamento psiquiátrico, chegou um ponto em que percebeu ter alcançado um certo nível de estabilidade. Então, em uma das consultas, afirmou que gostaria de deixar o remédio. O que ela não imaginava era que o processo da retirada (ou “desmame”, como se costuma falar) levaria tanto tempo e exigiria tanto esforço.
Brenda não está sozinha. Um estudo da University College London (UCL), publicado neste ano no periódico científico Psychiatry Research, mostrou que a interrupção do uso de antidepressivos pode levar a efeitos colaterais duradouros, sobretudo para quem toma esse tipo de medicação por muito tempo.
Os pesquisadores britânicos analisaram relatos de tentativas de suspensão de antidepressivos de 310 pessoas. Do total, 79% declararam terem vivido pelo menos um sintoma de abstinência durante o processo de interrupção do uso. Mais da metade dos participantes que usaram os antidepressivos por dois anos ou mais afirmou ter falhado ao tentar suspender. Apenas 21% relataram a mesma experiência, entre os que utilizaram os fármacos por menos tempo – uma queda considerável.
Segundo o levantamento, o uso prolongado e a escolha de medicamentos mais potentes estão associados à percepção de mais sintomas da chamada síndrome da retirada, que pode surgir na fase de interrupção do uso de antidepressivos. Estes sintomas podem ser físicos, como tonturas, dores de cabeça, sensação de “choques elétricos” ou “raios” na cabeça, suor e calafrios; ou emocionais, como irritabilidade, humor deprimido e ansiedade, entre outros. A síndrome também pode causar alterações no sono e questões gastrointestinais, como vômitos e diarreias.
Em comunicado à imprensa, os cientistas da UCL reforçaram a importância de novas pesquisas sobre protocolos de redução mais eficientes e apontaram que as prescrições devem ser criteriosas. “Esta é uma das razões para não usar antidepressivos por mais tempo do que o necessário, porque isso pode tornar mais difícil parar de usá-los mais tarde”, afirmou o psiquiatra Mark Horowitz, autor principal do trabalho.
Por quanto tempo os antidepressivos podem ser usados?Não há dados seguros que indiquem a prescrição de medicamentos antidepressivos por mais de seis meses. Quem afirma é o psiquiatra Sivan Mauer, professor da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR). “Esse tipo de medicação não é inócuo, ou seja, não é livre de efeitos colaterais. Apesar disso, é comum receber no consultório pacientes que tomam há 15, 20 anos”, relata. Ele reforça a conclusão do estudo, atestando que a síndrome da retirada de antidepressivos, de fato, é mais frequente em pacientes que usam a medicação há mais tempo.
Brenda, que fez uso de antidepressivos por três anos, é um exemplo disso. Ela começou o acompanhamento psicológico entre a infância e a adolescência, por conta de perdas e conflitos familiares. “Fiquei emocionalmente pior depois de entrar na universidade, por autocobrança”, diz ela, que cursa Engenharia de Produção. Quando o psiquiatra prescreveu o antidepressivo, não havia indicação de prazo. “Tudo dependeria do meu progresso com a terapia e com as medicações. Primeiro tentamos uma, que não ajudou. Então, mudamos para outra, com maior dose”, descreve.
Quando se sentiu preparada para iniciar a retirada, a estudante conversou com o psiquiatra, que reduziu a dosagem. Então, os sintomas da síndrome vieram com tudo. “Nas primeiras semanas, sentia alteração do sono, dores de cabeça frequentes, além de um pouco de tremor e irritabilidade”, recorda-se. “Mesmo antes de iniciar a retirada, nos dias em que esquecia de tomar o remédio, tinha todos esses sintomas, mas de forma mais intensa, inclusive com sensação de choque e náuseas”, acrescenta.
O tipo de antidepressivo, no entanto, também influencia. “Alguns causam mais abstinência do que outros na retirada”, explica o psiquiatra Henrique Bottura, presidente do Instituto de Psiquiatria Paulista (IPP). “Os que chamamos de perfil ‘dual’, ou seja, que agem em dois neurotransmissores, principalmente serotonina e noradrenalina, têm um perfil um pouco mais difícil de retirada”, destaca.
Um dos desafios para os psiquiatras que acompanham a suspensão é identificar a origem das queixas. Quando os sintomas de abstinência são diagnosticados como recaída, a pessoa pode voltar para o medicamento e tomá-lo por mais tempo do que o necessário.
“Nem todo paciente que retira o antidepressivo terá um novo episódio depressivo. Normalmente, o que acontece logo em seguida ao início da suspensão, em um paciente estável, é devido à retirada”, alerta o professor Mauer. Só que manter a prescrição por um período prolongado, como atestado pelo estudo britânico, pode dificultar ainda mais a suspensão. Algumas pessoas passam a ter episódios de depressão ou ansiedade com menor intervalo do que ocorria no início do uso, uma vez que a sensibilidade do cérebro ao medicamento tende a reduzir com o tempo.
Um passo de cada vezO principal passo para conseguir enfrentar o período da retirada com sucesso, mesmo diante de todas as dificuldades, é entender as etapas e as razões do processo. Segundo Mauer, este é um dos principais obstáculos. “O paciente precisa compreender que já não há necessidade de uso do antidepressivo. Ainda que ele esteja triste, em alguns casos, que devem ser avaliados individualmente pelo psiquiatra, o próprio antidepressivo pode estar piorando este sintoma”, explica. Pois, como dito acima, o cérebro se ajustar ao uso do medicamento e os episódios voltam a ocorrer com mais frequência. Daí a necessidade de fazer a retirada no tempo adequado.
O professor destaca, ainda, que é preciso orientar a pessoa com honestidade, adiantando que, durante o processo, ele pode passar por momentos difíceis e necessitar de apoio. “A família também deve entender isso, para oferecer o suporte adequado”, afirma o professor. “É um passo para uma melhora mais duradoura”, acrescenta.
A suspensão, porém, não pode ser feita de forma repentina ou abrupta. Assim, reduz-se o risco de instabilidade e da confusão dos sintomas com os de uma recaída, que pode levar ao retorno à medicação. O especialista observa que cada pessoa deve ser orientada individualmente. “Não há uma receita de bolo. O importante é fazer isso de forma programada, sempre em discussão conjunta com o médico”, sugere Bottura, do IPP.
Em geral, o médico vai reduzindo a dosagem dos medicamentos aos poucos, muitas vezes, fracionando-os em uma farmácia de manipulação. A mudança e a intercalação com outras medicações também podem ser medidas eficazes.
Além de tudo isso, é importante observar outros fatores na rotina do paciente. Para Brenda, alterações no estilo de vida foram ferramentas fundamentais no sucesso da retirada dos antidepressivos. “Me apeguei muito à musculação e, mais tarde, à corrida e isso me abriu espaço e energia para passar tempo de qualidade com amigos e família, que me ajudaram bastante também”, descreve a estudante. “Quando estamos nessa situação, isolamento social é comum, mas estar entre pessoas de quem se gosta faz total diferença”, afirma.
Hoje, faz dois anos que ela deixou os antidepressivos. Compreender tudo o que a levou até ali e conhecer a si mesma foram etapas indispensáveis. “Me sinto leve, mais consciente do que gera gatilhos e mais apta a entender os sinais que a mente e o corpo dão. Sou mais paciente comigo mesma”, completa. Tudo indica que paciência é mesmo uma palavra-chave aqui.
IstoÉ