Espanha adota jornada de 40h e avalia reduzir, diz Faciaben

Publicada em 25 de Maio de 2025 às 19:41

Bolívar Cavalar Repórter
Estão sempre em voga os debates sobre o mundo do trabalho e as possibilidades de ajustes na legislação, seja para ampliar os direitos aos trabalhadores, seja para favorecer os setores produtivos. Atualmente, a discussão no Brasil se concentra nas propostas de acabar com a escala 6x1 e de redução da carga horária semanal de trabalho. Para tratar desses temas sob uma ótica não brasileira, o Jornal do Comércio entrevistou a sindicalista espanhola Cristina Faciaben, representante da Confederação Sindical de Comissões Operárias, a maior e principal central sindical do país europeu, que compareceu a Porto Alegre a partir de convite do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS).
Estão sempre em voga os debates sobre o mundo do trabalho e as possibilidades de ajustes na legislação, seja para ampliar os direitos aos trabalhadores, seja para favorecer os setores produtivos. Atualmente, a discussão no Brasil se concentra nas propostas de acabar com a escala 6x1 e de redução da carga horária semanal de trabalho. Para tratar desses temas sob uma ótica não brasileira, o Jornal do Comércio entrevistou a sindicalista espanhola Cristina Faciaben, representante da Confederação Sindical de Comissões Operárias, a maior e principal central sindical do país europeu, que compareceu a Porto Alegre a partir de convite do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS).
Cristina conta sobre o processo que resultou em uma contrarreforma trabalhista na Espanha em 2022, que revogou medidas que, segundo ela prejudicaram os direitos dos trabalhadores. As políticas alteradas haviam sido aplicadas em uma reforma trabalhista espanhola de 2012, que inspirou a brasileira de 2017.
Cristina também faz avaliações sobre a carga horária brasileira e a compara com a espanhola, tendo em vista que atualmente no Brasil são 44h semanais, e no país europeu é de 40h desde 1985, quando se implementou um estatuto do trabalho. O atual debate na Espanha é de reduzir de 40h para 37h e meia, algo que na prática já ocorre, segundo a dirigente sindical.
Jornal do Comércio - A Espanha passou por uma contrarreforma trabalhista em 2022, que revisou mudanças que ocorreram na reforma de 2012. Como foi esse processo?
Cristina Faciaben - Foi um processo bem complicado, não foi nada fácil. Essa contrarreforma acaba com os aspectos mais negativos para os trabalhadores das reformas anteriores do Partido Popular (de centro-direita, que promoveu a reforma trabalhista de 2012), e esse era um dos objetivos do governo (atual, do Partido Socialista Obrero Español). No plano de governo, estava marcada essa questão. Então, era como uma política de Estado modificar a reforma. Essa reforma foi fruto de um acordo social tripartite: governo, patronais e sindicatos. Isso é um feito histórico, porque o resto das reformas que haviam sido feitas na Espanha foram sempre neoliberais, muito contrárias, digamos, aos trabalhadores e muito pró-empresa, haviam sido decisões unilaterais do governo. O governo havia imposto essas reformas com acordo da patronal, mas um acordo tácito, sem assinar. Essa é a primeira reforma que foi fruto de um acordo e de um acordo entre as três partes. Há uma certa armadilha nessa questão, a patronal firmou o acordo porque estava condicionada pelos planos de recuperação europeia. A Comissão Europeia disse à Espanha que ou o país estabilizava seu mercado de trabalho, as contratações, ou não iria entregar o dinheiro. Então, a patronal concordou em fazer modificações que estabilizem o mercado de trabalho e assim foi. Essa foi a parte do acordo. Eu creio que em todos os países democráticos um acordo desse tipo é o máximo, significa que as partes implicadas estão de acordo e comprometidas, mas faltava que isso se tornasse uma lei. Então o governo apresentou isso como um decreto real e isso teve que ser validado nas cortes. E aí houve um problema importante, porque o governo atual, o governo da coalizão progressista da Espanha, tem uma maioria simples no Congresso, que sempre precisa do apoio de outras forças políticas. Para conseguir o apoio, sempre tem que dar algo em troca. Os nacionalistas catalães, os nacionalistas bascos, sempre pedem coisas para seus territórios. E quando a coisa já estava pronta, tinham conseguido os votos suficientes, na hora de votar houve vazamentos, ou seja, alguns deputados que haviam se comprometido a votar a favor acabaram votando contra, por questões políticas com o Partido Popular. Mas resultou que a reforma seguiu em frente porque um deputado do Partido Popular se equivocou no voto, votou a favor, e esse foi o voto que permitiu aprovar a reforma trabalhista. Foi fundamental, se não tivesse sido assim, não teria passado, o governo teria caído, eu não estaria aqui explicando isso, eu teria vindo falar de qualquer outra coisa, mas não da reforma trabalhista. Então, mais ou menos, esse foi o processo.
JC - Avalia que a contrarreforma foi ideal ou poderia ser ainda mais benéfica para os trabalhadores?
Cristina - Existe um elemento que, além disso, é que uma parte da esquerda nos coloca de frente a alguns sindicatos. Alguns sindicatos, que não são os mais representativos, nos acusam de não termos conseguido aumentar o custo da demissão. De fato, ainda não se fez público, então não podemos dizer porque ainda não se publicou, mas o Comitê de Direitos Econômicos e Sociais Europeus determinou que na Espanha não se protege suficientemente a demissão, ou seja, que é excessivamente barato para uma empresa despedir um trabalhador e que isso contravém a Carta Social Europeia, que determina que tem que haver uma proteção maior e que se você despedir um trabalhador, você tem que dar-lhe algumas garantias. Então, por que não se incluiu o aumento do custo da demissão para os empresários? Não se incluiu porque isso teria destruído a negociação, porque isso é uma linha vermelha para a patronal espanhola. A patronal espanhola nunca vai assinar nada que diga que o custo da demissão aumenta, que a indenização tem que ser maior, nunca vai assinar isso. Então, eles teriam destruído essa negociação.
JC - A partir da contrarreforma trabalhista de 2022, há outras mudanças em curso?
Cristina - Outro ponto que está na agenda do governo é elaborar o que chamam de Estatuto dos Trabalhadores do século XXI. Nós temos um Estatuto dos Trabalhadores, que é a Lei Básica de Trabalho na Espanha, os mínimos direitos, que é do ano 1984, mas se foi reformando, se foi adaptando, foram feitas centenas de modificações. Mas o Ministério do Trabalho considera que deveria elaborar-se uma nova norma. Agora, é uma norma de "Frankenstein". Então, deveriam fazer uma nova, não? Porque a realidade do trabalho é completamente diferente da que tínhamos no ano 1985. Há coisas que, inclusive, são meio contraditórias. Porque, claro, a redação de alguns artigos não casam com os novos artigos. Por exemplo, não se fala, obviamente, do trabalho em plataformas, não está o trabalho remoto, apesar de que há leis que o regulam que não estão no estatuto. Então, a ideia é um novo estatuto.
JC - No Brasil, houve uma reforma trabalhista em 2017, em que um dos principais pontos é que as mediações do trabalho passam a ser feitas diretamente entre empregador e trabalhador. Como avalia esta prática?
Cristina - Na Espanha, temos um sistema de negociação coletiva que é um pouco diferente, mais protecionista. Nós temos uma cobertura de 85% dos trabalhadores que têm um convênio coletivo de referência. Das empresas, por setores, em âmbito territorial, têm alguns que são setores de toda a Espanha, alguns são de uma comunidade autônoma, e colocam um valor na negociação coletiva. Por meio de uma negociação em uma mesa, empresários e sindicatos negociam as condições de trabalho. É verdade que existem relações individuais, existem. Mas na Espanha este tipo de relações é quase inexistente. Há um estabelecimento de condições de trabalho praticamente sempre coletivo e nenhuma reforma conseguiu romper com isso. Mas é verdade que, por exemplo, esta reforma que se publicou em 2022 rompe com uma intenção que houve nas anteriores reformas, muito neoliberais, de que se tivesse uma primazia para a negociação coletiva da empresa, convênios coletivos, convenções ou acordos. Por quê? Porque os empresários sabiam que, dessa maneira, se limitava muito o poder de negociação sindical, porque na Espanha a maioria das empresas são pequenas e médias, então é muito difícil fazer um convênio em uma empresa, porque não há força sindical suficiente.
JC - Outra consequência da reforma trabalhista brasileira foi o aumento da informalidade. Houve esse processo na Espanha?
Cristina - Na Espanha não existe esse problema de informalidade como existe no Brasil, e, em geral, na América Latina. O que existe na Espanha são pessoas que têm um contrato de 8h e trabalham durante 12h. Então, trabalham 4h totalmente ilegais, fora do mercado. Não há registro na Segurança Social, nada. Se paga ilegalmente, não há pagamento de impostos por esse dinheiro, é realmente uma economia submersa. Ou gente que tem um contrato de 4h diárias e trabalha durante 8h, isso acontece. E tem gente, principalmente de setores como os eletricistas, os que vão às casas, que é gente que trabalha em uma empresa pela manhã e pela tarde se dedica a fazer "bicos", vai às casas, arruma algo, pinta a casa, e isso tudo é feito de maneira informal. Claro, tem gente que vende na rua e que não tem um trabalho regular, mas é minoritário, muito minoritário na Espanha. O que aconteceu com as reformas anteriores? Uma reforma, que era muito prejudicial também, mudou o contrato por tempo parcial. Na Espanha, houve um uso abusivo do contrato a tempo parcial, porque se fazia o contrato a tempo parcial para trabalhar toda a jornada. Uma economia para a empresa, claro. Se paga ilegalmente, não há impostos, não há pagamento à Previdência Social. O que acontece? Se modificou o contrato por tempo parcial e se deu muita flexibilidade à empresa. A empresa podia te chamar e dizer que amanhã deveria vir tal hora, estar à disposição 24h.
JC - Na Espanha está sendo debatida a redução da carga horária semanal de 40h para 37,5h. No Brasil, a carga é de 44h. Como enxerga esta realidade brasileira?
Cristina - Me surpreende muito, porque, desde que eu sei um pouco quais são os direitos laborais, eu não me lembro que na Espanha havia mais de 40h. No ano de 1985, no estatuto, já se estabeleceram as 40h. Então, claro, para mim, mais de 40h por semana, me parece muito. Claro, para nós, são 40h, mas o principal são as 8h diárias. São cinco dias por semana, e embora haja empresas que trabalhem mais de cinco dias em uma semana, há uma distinção da jornada, isso é possível. Se você respeitar os descansos entre dias e os descansos semanais, isso é possível. Mas 44h me parece muito. Uma grande parte das pessoas empregadas na Espanha não trabalha 40h - sem falar nas horas extras, falo de legalidade. Porque há muitos convênios coletivos que determinam jornadas inferiores a 40h. Os convênios coletivos sempre falam de jornada anual, não de jornada diária. Mas, na contagem anual, se somam os dias trabalhados, são menos de 40h por semana, menos de 8h por dia. Isso quer dizer que a realidade já é inferior a 40h. Então, o que vai entrar no Congresso para debate é que se estabeleça que ninguém pode trabalhar mais de 37,5h.
JC - Reduzir a carga horária pode prejudicar a produtividade...
Cristina - Os empresários são muito contra porque consideram que vai afetar a produtividade. Bom, sabemos que isso não é verdade, porque a Espanha tem uma produtividade em geral baixa, mas é o país da União Europeia com mais presencialidade. Então, é o país da Europa onde as pessoas passam mais horas no posto de trabalho, e não quer dizer que os resultados sejam tão bons. A única situação que pode ser um pouco mais complicada é para empresas muito pequenas que tenham, por exemplo, atendimento ao público com um horário determinado. Mas vai ser tão pontual. Uma coisa que eu não tinha lembrado, que também é uma coisa muito boa que se fez neste governo, é estabelecer um sistema de controle de horário obrigatório nas empresas. Na Espanha, hoje em dia, é obrigatório bater ponto. Quando chega, com o dedo, com o olho, com o que for, tu tens que bater ponto, quando entra e quando sai. Embora alguns trabalhadores tenham dificuldades em entender, isso não é controle empresarial, isso é garantia de direitos para os trabalhadores. Ou seja, tem que bater o ponto para que exista um controle e que você possa exercer os seus direitos como trabalhador. O mesmo empresário também pode dizer, olha, esse senhor trabalhou menos horas porque fez um descanso de não sei quantas horas. Isso também acontecerá, mas no final é o contrário.
JC - Também se debate muito hoje no Brasil o fim da chamada escala 6x1. Há visões de que isso pode prejudicar a economia. Qual sua opinião?
Cristina - Se tivéssemos ficado quietos, as crianças continuariam trabalhando legalmente, trabalharíamos 12h, não teríamos férias. É claro que as coisas vão mudando, a tecnologia nos permite não ter que passar tantas horas no trabalho, porque podemos fazer tarefas rotineiras de maneira automática. Essa é uma parte. Mas, para nós, é relativamente fácil dizer que isso (redução da carga horária) é possível, que não vai quebrar nada, porque já está ocorrendo. Na Espanha, há muitos milhões de trabalhadores que já trabalham menos de 40h e menos de 37,5h. E, por exemplo, no setor público não há negociação coletiva tal como estabelecemos, mas existem reuniões de pessoal, é outro modelo, mas também existe negociação e também se discute com a administração para estabelecer as condições de trabalho. Na Espanha, há pelo menos 20 anos, existe uma redução de jornada para os funcionários públicos, sem redução de salário para, por exemplo, cuidar de um filho, cuidar de uma pessoa idosa com dependência, e não aconteceu nada, não quebrou a administração, não há alguém que tenha que trabalhar pelo resto. Então, para nós, é relativamente fácil, porque já acontece.
Cristina Faciaben Lacorte é licenciada em Ciências do Trabalho pela Universidade Oberta de Catalunya e diplomada em Relações Laborais pela Universidade Pompeu Fabra. É secretaria de Internacional, Cooperação e Migrações da Confederação Sindical de Comissões Operárias (CCOO, sigla em espanhol), a maior e principal central sindical da Espanha. Também é representante da entidade na Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU), e no Conselho Sindical da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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