Alteração à lei ajuda Tesla, Ionity e… os utilizadores

Com a prometida simplificação e liberalização do sistema, realizar carregamentos das baterias nos veículos eléctricos e híbridos plug-in (PHEV) em Portugal passou a ser tão fácil quanto abastecer de gasolina os automóveis com motor de combustão. Pela primeira vez, as empresas que investem e constroem os postos de carga – devidamente certificados por motivos de segurança, como qualquer outra instalação eléctrica – passam a operar como acham melhor para atrair mais clientes, informando os custos da operação em tempo real e propondo preços mais competitivos, tanto mais que desaparecem uma série de taxas e entidades, tal como até agora intervinham no sistema (CEME, MOBI.E), e passa a vigorar um esquema de pagamento mais simples, com o cartão multibanco ou através de um código QR.
Sem necessidade de realizar previamente um contrato com um comercializador de electricidade para a mobilidade eléctrica (CEME, figura que desaparece), da mesma forma como nunca foi preciso ter um contrato com a Galp ou qualquer outra gasolineira para encher o depósito, o condutor de um carro equipado com bateria recarregável passa apenas de ter de encontrar um posto de carga livre, ligar o cabo e iniciar o carregamento, que depois pagará com os habituais sistemas electrónicos, sabendo exactamente o custo de kWh, bem como o valor exacto da energia que armazenou.
Esta revolução no sistema de pagamento, que decorre da aplicação do regulamentação europeia Alternative Fuels Infrastructure Regulation (AFIR), visa simplificar e harmonizar a forma como os automobilistas armazenam energia nas baterias dos seus veículos por essa Europa fora. A alteração começa desde logo por beneficiar empresas como a Tesla, que depois de ter sido recebida de braços abertos pela MOBI.E, quando em 2018 montou no nosso país a primeira rede de estações de carga com carregadores que forneciam potências de 150 kW, viu-se impossibilitada de inaugurar mais duas estações (já construídas e prontas a operar) por imposição da MOBI.E, que exigia que a marca norte-americana de veículos elétricos se assumisse como CEME (que antes não necessitou) para ter autorização a alargar a rede de postos de carga. O construtor preferiu ver as duas estações paradas, em vez de ceder a exigências que não existem nos outros mercados europeus em que está presente. Esta alteração à lei colocou um ponto final nesta disputa que prejudicou, sobretudo, os utilizadores deste tipo de veículos.
A usufruir da nova regulamentação para os postos de carga está igualmente a Ionity, a rede de postos de carga europeia pertença dos construtores alemães (Grupo VW, BMW, Mercedes e Porsche), a que se juntaram a Hyundai/Kia e a Ford, que ultimamente recorreram à BlackRock para reunir o capital que necessitavam para o alargamento da rede. A primeira estação da Ionity foi inaugurada em 2021, mas a então legislação portuguesa impediu a Ionity de funcionar no nosso país da mesma forma como opera na restante Europa, ou seja, com os pagamentos através da sua app. Daí que também ela tivesse de “casar” com um CEME que lhe permitisse cobrar os abastecimentos de energia. Finalmente passa a ser possível a Ionity funcionar entre nós como o faz no resto da UE, o que será certamente do agrado dos condutores que conduzem os veículos das marcas associadas e também dos turistas que nos visitam, que podem atravessar todo o continente a realizar pagamentos com a mesma app.
Além dos gigantes Tesla e Ionity, muitas outras empresas passarão a poder utilizar os pontos de carregamento como argumento comercial para agradar aos clientes e atraí-los para o seu negócio. É o caso do Continente e do Lidl, entre outros, além de certos restaurantes e outros estabelecimentos que investiram na montagem de postos de carga nas suas instalações, mas que também eles tiveram de arranjar um “parceiro” que agisse como CEME e pudesse facturar a energia, impedindo que um supermercado, por exemplo, pudesse oferecer uma hora de carga para clientes com compras superiores a 50€.
Quem mais ganha são os utilizadoresA simplificação das regras para os carregamentos de veículos eléctricos vai decididamente facilitar a vida das grandes (e pequenas) entidades que oferecem redes de carga privadas para serviço público, mas são sobretudo os utilizadores deste tipo de veículos que vão sentir as diferenças, não só no bolso, pagando menos pela mesma energia, mas porque passam a usufruir de um maior número de pontos de carga à sua disposição. E não é de desprezar que, devido ao AFIR, deixa de ser possível cobrar ao minuto, mas apenas ao kWh, algo que será bem recebido pelos proprietários dos carros eléctricos que apenas carregam em DC a potência reduzidas (por exemplo 50 kW) e, especialmente, os proprietários dos PHEV, muitos deles a carregar a 3,6 kW, o que obriga a estar ligado à tomada durante mais de 3 horas.
No capítulo das vantagens para os utilizadores, é de realçar o facto de a Tesla ter anunciado que, depois da entrada em vigor das novas regras, as estações fechadas à espera de autorização vão avançar e todas elas vão reforçar o número de pontos de carga. Só na estação de Fátima, o número de postos de carga, que inicialmente era de somente 12, é agora de 32 supercarregadores, sendo 14 na versão V2 (a 150 kW) e 18 V4 a 250 kW, apesar de tecnicamente poderem atingir 400 kW quando existirem veículos capazes de digerir essa potência. Simultaneamente, o preço do kW, que já foi no passado de 56 cêntimos, está agora nos 0,41€, podendo baixar para 0,16€ para promover a carga em determinados períodos. Paralelamente, a Tesla vai abrir as suas estações de carga a eléctricos de outras marcas, o que vai alargar consideravelmente a oferta entre os postos de carregamento ultra-rápidos, a 250 kWh. Os clientes “não Tesla” vão adquirir energia mediante uma tabela de preços distinta e, segundo o Tesla Club de Portugal, ligeiramente mais cara, mas deverão poder pagar a electricidade ao mesmo preço dos clientes da marca, se subscreverem uma mensalidade que deverá rondar 10€. Os automobilistas têm apenas de descarregar a aplicação da marca e criar uma conta, ligar-se ao carregador e pagar, sabendo exactamente o valor devido. A Ionity também já fez saber que vai reforçar a rede e o incremento da concorrência potencialmente irá levar a uma redução dos preços por kWh.
observador