3 mães atípicas que inspiram coragem e afeto na criação dos filhos

Tempo e maternidade são dois substantivos que parecem caminhar dentro de um relógio que está sempre adiantado. Na agenda das mães, compromissos, responsabilidades, demandas, atividades e cobranças vão consumindo o passar dos segundos. É preciso ser muitas para, ao menos, acompanhar o tic-tac. Mas e quando o tempo é outro? Talvez não tão acelerado, nem tão devagar, mas único e diferente.
No caso das mães que andam no compasso desse tempo, a maternidade ganhou um adjetivo para além dos muitos que já carrega: atípica. Ela descreve a vivência de algumas mulheres que têm filhos que demandam um outro olhar, um outro cuidado. Seja nas redes sociais, seja em grupos de pais e cuidadores, elas compartilham os desafios e inspiram umas às outras formando uma rede de apoio, acolhimento e conscientização.
“Definir a maternidade atípica é desafiador. Mas diria que é entender que o desenvolvimento do seu filho é diferente daquilo que você está esperando, e em um tempo que é diferente”, avalia a nutricionista e professora universitária Patrícia Costa Bezerra, 54 anos. “É entender o desenvolvimento fora do tempo, para refazer suas metas de vida, seus objetivos, e, principalmente, entender que você tem um controle menor sobre a vida”, acrescenta.
Mãe de Beatriz, de 21 anos, e Eduardo, de 17, Patrícia gosta de dizer que é uma mãe “típica, atípica e, sobretudo, coruja”. Logo após o nascimento, o filho mais novo da nutricionista teve um AVC, o que provocou uma lesão cerebral. Posteriormente, Eduardo foi diagnosticado com um quadro de autismo.
Hoje, é um rapaz de 17 anos, mas com a cognição que funciona semelhante a de uma criança de 4 anos, como explica a mãe. Eduardo não tem qualquer restrição motora, mas tem um quadro de retardo cognitivo e alterações no comportamento.
“De fato, a vida muda. Você precisa se refazer, refazer seus projetos, seus valores, sua dinâmica, suas expectativas”, comenta.

Ano passado, a notícia de que uma mãe atípica havia matado seu filho e, depois, tirado a própria vida comoveu Patrícia e a motivou a criar um projeto que olha para o cuidador de um autista. “Infelizmente, esse tipo de história no grupo de mães atípicas não é tão raro. É algo que nos entristece, mas que a gente ouve falar. Nunca tinha acontecido tão perto de mim, aqui em Brasília, com um filho adulto, a mãe, uma profissional da saúde. Tudo isso mexeu comigo”, relembra.
Junto com a psiquiatra Audrey Braga e a psicóloga Adriana Kalil, duas profissionais com experiência em atender autistas e suas famílias, Patrícia decidiu abrir um canal de troca, diálogo, informação e acolhimento para pais e mães atípicos. Nascia, assim, o projeto voluntário Cuidando do Cuidador TEA DF. Sob o lema “Quando cuidamos de quem cuida, as peças se encaixam”, o grupo se reúne uma vez por mês, toda primeira terça-feira, às 19h, na Catedral Militar Rainha da Paz.
A partir de temas, desafios e questões levantadas pelos próprios pais, o grupo recebe convidados de diversas áreas para promover uma troca de informação qualificada. “Acreditamos que isso possa ajudar as famílias”, afirma Patrícia. Entre os temas abordados até agora, estão depressão dos pais, mercado de trabalho, depressão dos pacientes com autismo, isolamento social, inclusão, educação.
Nas reuniões, Patrícia leva sua expertise enquanto profissional da saúde, mas também sua vivência enquanto mãe atípica. “A vida nos apresenta desafios e a gente não tem como fugir deles, então, podemos buscar recursos, coragem, fé e amor para dar conta”, comenta. “Não é uma rotina fácil, às vezes bate um cansaço, precisamos nos redefinir muitas vezes, mas isso faz parte da nossa vida”, complementa.
A força, muitas vezes, vem da rede de apoio. “Compartilho os cuidados do meu filho com outras pessoas e acho que isso é um privilégio. Entre elas, minha mãe, que foi diagnosticada com Alzheimer e hoje mora comigo, minha filha mais velha e meu marido”, declara. “Eles se debruçam e se dedicam para ajudar nas atividades e no desenvolvimento do meu filho”, afirma.
Contudo, para Patrícia, uma outra fonte de motivação está em um olhar carinhoso acompanhado de um “eu te amo” dito pelos filhos. “Todas as noites, o Eduardo me espera para ir para a cama, para rezar. Sou mole, porque ele olha no fundo do meu olho e me agradece, fala que me ama. Tem ali uma compreensão que é diferente, uma inteligência que é diferente. Existem muitas limitações cognitivas, os cuidados são diários, mas ele olha no fundo do meu olho todas as noites e fala que me ama, e isso é algo que me fortalece”.
Caminhar juntoNo mundo virtual, muitas mães atípicas encontraram uma ferramenta de conscientização sobre os diagnósticos dos filhos, mas, principalmente, uma forma de acolhimento, caso da paulista Suellen Priscile dos Santos Ramires, de 40 anos. Ela é mãe de Clara, de 9 anos, diagnosticada com autismo nível (não verbal), paralisia cerebral e, mais recentemente, deficiência intelectual.

“Diferente dos primeiros diagnósticos, o de deficiência intelectual eu realmente senti. Não tive aquele “luto” antes, porque eu já estava em movimento, lutando e correndo com as intervenções. Mas desta vez, eu me permiti sentir, processar e reorganizar as rotas”, relembra.
“A maternidade atípica não é fácil, não é romantizada. São dias de altos e baixos, mas, com sabedoria, busquei forças para seguir em frente, sempre focada no essencial: a felicidade e a qualidade de vida da Clara. O que mais importa para mim é vê-la feliz e conquistando autonomia dentro das suas possibilidades”, acrescenta.
Com mais de 240 mil seguidores no Instagram, Suellen não apenas compartilha conteúdos informativos, como escreveu um livro no qual detalha sua história. “Hoje, consigo alcançar milhares de pessoas, informando de maneira respeitosa sobre o que é o autismo, suas comorbidades e outras deficiências. O meu perfil não é apenas um espaço de desabafo, mas de propósito: quero que a sociedade enxergue que o autismo existe, que muitas famílias vivem essa missão e que precisamos de mais empatia e respeito”, declara.
Na avaliação da escritora, como gosta de se declarar, quanto mais informações são compartilhadas, mais chances temos de transformar a realidade dessas famílias “e de construir uma sociedade mais inclusiva para nossos filhos atípicos”. Em troca, todos os dias, Suellen recebe mensagens repletas de carinho e acolhimento. “Esse contato é algo que me fortalece e me faz entender que esse propósito vai além de mim; é sobre ajudar outras famílias a se sentirem vistas e acolhidas”.
Os conteúdos de Suellen têm um toque de humor e leveza. “Quando eu compartilho alguma situação com um toque de graça, sei que, do outro lado da tela, tem uma mãe que sorriu, que se sentiu acolhida e que, por um instante, conseguiu respirar mais aliviada”.
A escritora não costuma expor a filha na internet. Para Clara, “a vida segue seu ritmo”. “Mas, sempre que possível, compartilho com a comunidade autista algumas de suas evoluções em vídeos motivacionais. Acredito que mostrar essas pequenas e grandes vitórias é importante para inspirar outras famílias e reforçar que, apesar das dificuldades, há sempre motivos para celebrar. No fim, é isso que importa: reconhecer cada conquista e seguir em frente, um dia de cada vez, com amor e fé!”.
Enxergar a pessoa e não a deficiênciaMarcello, o “meninim”, já era uma personalidade nas redes sociais com seu jeito doce, espontâneo e muito esperto. Diagnosticado com síndrome de Down, ele conquistou seu lugar cativo na internet após um vídeo com a mãe, a arquiteta Raquel Cabral, viralizar em 2023. Nele, o menino conta como a mulher descobriu estar grávida dele.
Na época, em entrevista ao Metrópoles, Raquel contou que criou a conta do “meninim mais amado do mundo” em 2018, quando ele tinha 8 meses, porque ela queria “apresentar o Marcello, não necessariamente a síndrome”. Sempre com muita leveza, mostrando a vida real, como a arquiteta descreveu, o perfil e seu conteúdo se transformaram em um lugar de afeto – e Marcello ganhou o status de celebridade em Fortaleza (CE), onde mora.

Raquel é uma mãe atípica que abraçou como missão, além da maternidade, da carreira, dos muitos papéis como mulher, desmistificar a convivência com um portador da síndrome de Down. Contudo, ela foge de denominações como: cromossomo do amor, anjos, mãe guerreira, portador de necessidade especial. “São formas bonitinhas de falar, então não é sobre isso. Quanto mais a gente fala com naturalidade, mais a gente mostra e expõe e isso tudo vai se desmistificando. Não gosto de ser aquela que está corrigindo todo mundo, gosto de mostrar com leveza, com vídeos felizes, descontraídos. É a gente de verdade”, explicou.
No início de maio, a arquiteta compartilhou, com mais de 890 mil seguidores no Instagram, um trecho de uma palestra que realizou, em que questiona por que os vídeos do Marcello viralizaram.
“Porque quase ninguém acreditava que um menino de 5 anos com síndrome de Down seria capaz de contar essa história. Esse é o resumo. É lindo, é perfeito, emociona, mas, lá no fundo, o que todo mundo fica impressionado é que um menino de 5 anos com síndrome de Down conseguiu contar sua própria história. A gente limita as pessoas, a gente não acredita, porque a gente enxerga primeiro a deficiência e depois a pessoa”, afirmou, convidando os presentes a sempre olharem para o indivíduo antes de tudo.
Casada com o engenheiro civil Achilles Barreto, Raquel também é mãe de Bernardo, fruto de adoção, e de Maria Alice, fruto de outra relação do engenheiro. “Sou uma mãe para cada filho. Ser mãe do Marcello é desacelerar. É aprender a persistir, a acreditar, a valorizar os mínimos detalhes. É um olhar mais atento, um olhar mais inclusivo. Como mãe do Marcello, meus olhos se abriram demais para o mundo. Me mostrou um sentido de mundo muito diferente do que eu tinha antes. Sou uma pessoa muito melhor. Sou uma capacitista em desconstrução, toda hora observando cada fala, cada olhar meu para o mundo”, definiu.
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