Comprar e arrendar casa ainda é um luxo para muitas famílias

O preço das casas subiu 10% ao ano desde 2020, as rendas batem recordes e os salários das famílias não chegam para tanto. Soma-se uma parca oferta e chega-se a uma crise na habitação sem fim à vista.
Portugal vive uma das maiores crises habitacionais da sua história recente. Os preços das casas e os valores das rendas sobem a um ritmo desenfreado, transformando o sonho da habitação própria num pesadelo para milhares de famílias portuguesas. A combinação explosiva de preços em alta, rendimentos que não acompanham esta escalada, oferta cronicamente insuficiente e uma carga tributária entre as mais pesadas da Europa criou um mercado praticamente inacessível para muitos.
Em vésperas de eleições legislativas antecipadas, marcadas para 18 de maio, a habitação assume-se como um dos temas centrais da campanha. E não é para menos: com os preços dos imóveis a subirem 9,1% só em 2024, muito acima dos 2% da Zona Euro, comprar ou até arrendar casa tornou-se um luxo inacessível para grande parte da população. Mesmo com os custos financeiros para a compra de casa em mínimos de dois anos, resultado da queda das taxas Euribor e de spreads cada vez mais competitivos, a barreira de entrada continua intransponível para muitas famílias.
Nos últimos quatro anos, o preço das casas e das rendas aumentou a uma velocidade 1,2 vezes superior ao crescimento dos rendimentos dos portugueses, agravando progressivamente o fosso entre o que as famílias ganham e o que precisam de pagar pela habitação.
Os números são inegáveis e retratam uma realidade cada vez mais preocupante. Nos últimos quatro anos, o valor mediano dos novos contratos de arrendamento em Portugal aumentou a um ritmo médio anual de 9,1%, passando de 5,61 euros por metro quadrado (euros/m2) em 2020 para 7,97 euros/m2 no final de 2024, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Só nos últimos dois anos, este aumento foi ainda mais acentuado, atingindo os 10,5% ao ano.
A mesma tendência verifica-se nos preços das habitações. Entre 2020 e 2024, o preço médio da habitação em Portugal subiu a um ritmo médio anual de 10%, cerca de 2,5 vezes mais do que o crescimento anual de 3,9% registado na Zona Euro durante o mesmo período.
Em contraste, o rendimento disponível dos portugueses cresceu a um ritmo mais modesto, registando um aumento anualizado de 8,13% a preços correntes nos últimos quatro anos, segundo dados do Banco de Portugal — e até mesmo liderando no aumento do poder de compra na Zona Euro nos últimos três anos.
Isto significa que, entre 2020 e 2024, o preço das casas e das rendas aumentou a uma velocidade 1,2 vezes superior ao crescimento dos rendimentos dos portugueses, agravando progressivamente o fosso entre o que as famílias ganham e o que precisam de pagar pela habitação.
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Segundo os dados mais recentes do INE, o índice de preços da habitação registou uma variação homóloga de 11,6% no último trimestre de 2024, mais 1,8 pontos percentuais do que no trimestre anterior. Este aumento foi mais expressivo nas habitações existentes (12,4%) do que nas habitações novas (9,6%), refletindo a pressão crescente sobre o parque habitacional.
No mercado de arrendamento, a situação não é mais animadora. No quarto trimestre do ano passado, a renda mediana dos novos contratos de arrendamento atingiu 8,43 euros/m2, representando um crescimento homólogo de 9,3%. As rendas mais elevadas registaram-se na Grande Lisboa (13,49 euros/m2) no Algarve (10,39 euros/m2) e na Península de Setúbal (10,35 euros/m2), onde se concentra grande parte da população.
Este cenário levanta questões sobre a acessibilidade à habitação em Portugal. Apesar de o custo financeiro para comprar casa através de crédito à habitação estar em mínimos desde 2022, como resultado da queda das taxas Euribor e da oferta de spreads mais competitivos pela banca, a compra de casa continua a ser um luxo para grande parte da população. O problema já não está tanto nas condições de financiamento, mas sim no valor base das habitações, que continua a subir a um ritmo incompatível com o crescimento dos rendimentos.
Uma oferta ainda insuficiente para a força da procuraUm dos fatores determinantes para a escalada dos preços da habitação em Portugal é a insuficiência crónica da oferta face à procura. Apesar de o número de fogos em construções novas para habitação familiar colocadas no mercado estar a aumentar há nove anos consecutivos, a oferta disponível continua muito aquém das necessidades.
Nos últimos cinco anos, por exemplo, foram colocadas no mercado menos de 106 mil casas novas, um número inferior à média de 110 mil casas colocadas por ano no período entre 1999 e 2003. Este dado é particularmente revelador do desequilíbrio entre oferta e procura que se foi instalando ao longo das últimas duas décadas. Além disso, em 2024, assistiu-se ao menor crescimento anual de novas casas no mercado desde 2017, com apenas 24.639 fogos a ficarem disponíveis, representando um aumento de apenas 4,17% face a 2023.
O estrangulamento da oferta não é um fenómeno recente, mas uma tendência que se acentuou particularmente durante a crise financeira de 2008 até 2015, quando o mercado atingiu o seu ponto mais baixo, com pouco mais de 7.000 casas novas colocadas no mercado.
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O problema reflete-se também na evolução dos licenciamentos de habitação. Apesar de os números do INE mostrarem uma subida constante do número de fogos licenciados em construções novas para habitação familiar há 10 anos consecutivos, os valores continuam muito aquém dos registados no início do século. Em 2024, foram licenciados 34.476 fogos para habitação, mais 6% face a 2023, mas ainda assim menos de metade dos 77.115 fogos licenciados em 2003.
Estes números, embora positivos quando analisados isoladamente, revelam-se insuficientes para responder à pressão da procura, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde a escassez de habitação se faz sentir com maior intensidade e onde a pressão dos preços é maior.
Além disso é importante não esquecer o impacto dos atrasos nos licenciamentos que, invariavelmente, se refletem no preço final. “Na Área Metropolitana de Lisboa e do Porto, por cada ano de atraso de licenciamento a mais (para lá de um ano) preso numa Câmara Municipal, são mais 500 euros por metro quadrado por ano desse atraso”, referiu Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), em entrevista ao ECO.
Apesar disso, o mercado da habitação continua bastante dinâmico. Os dados mais recentes do INE mostram que no último ano transacionaram-se 156.325 habitações, o que representa um aumento de 14,5% face a 2023. Em valor, o conjunto das transações totalizou 33,8 mil milhões de euros, mais 20,8% do que no ano anterior. Este dinamismo no mercado, com mais transações e a preços mais elevados, reflete uma procura robusta que continua a exercer pressão sobre uma oferta limitada.

Além da insuficiência da oferta, há outros fatores a pressionar os preços das casas em Portugal e a potenciar a crise na habitação. Um deles é a significativa subida dos custos de construção nos últimos anos, impulsionada pela inflação.
Em 2024, segundo dados do INE, o Índice de Custos de Construção de Habitação Nova apresentou uma variação média de 3,3%, após subidas de 3,9% em 2023, 12,2% em 2022 (um ano extraordinário de inflação) e 6,5% em 2021. Somente em dezembro do ano passado, este índice registou uma variação homóloga de 4,3%, com aumentos tanto na mão-de-obra (8,6%) como nos materiais (0,9%).
Estes valores refletem a pressão inflacionista que se tem feito sentir no setor da construção e que, inevitavelmente, se repercute no preço final das habitações.
O país atravessa uma grave crise de acesso à habitação, materializada por um crescimento acelerado de preços e rendas desde, pelo menos, o ano de 2017, sem que tenha existido uma atempada e efetiva resposta de políticas públicas.
Outro fator determinante no condicionamento do acesso à habitação é a elevada carga tributária associada à construção e comercialização de imóveis, reconhecida como uma das mais pesadas na Zona Euro. Esta carga abrange não só impostos diretos, mas também uma multiplicidade de taxas e contribuições que incidem sobre a construção e venda de imóveis.
Um dos casos mais emblemáticos no campo tributário prende-se com a aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) a 23% sobre os custos de construção, sem possibilidade de dedução nas contas do construtor. Em Portugal, a comercialização de imóveis para habitação é isenta de IVA, impedindo assim a recuperação do imposto incorrido durante a construção. Esta situação leva a que o acréscimo tributário seja inevitavelmente refletido no preço final dos imóveis, correspondendo a 23% da fatura dos custos de construção, ou a 6% no caso de imóveis reabilitados localizados em áreas de reabilitação urbana.
“Em Portugal, quando se compra casa paga-se 50% de imposto. Em Espanha paga-se 10%”, referiu Hugo Santos Ferreira, presidente APPII ao ECO. Esta discrepância ajuda a explicar por que razão, mesmo em contexto de juros mais baixos e spreads mais atrativos, o acesso à habitação continua a ser uma barreira intransponível para tantos portugueses.
Para contornar esta situação e baixar a carga tributária sobre as casas, vários partidos têm nas suas propostas eleitorais a redução do IVA da construção para a taxa mínima de 6%. Esta é, aliás, um dos raros pontos de convergência entre as diferentes forças políticas, ainda que com contornos diferentes entre partidos.
Os especialistas do setor acreditam que a redução do IVA na construção poderá ter um impacto significativo no mercado, permitindo construir mais casas, tanto para compra como para arrendamento, e potencialmente a preços mais acessíveis, compatíveis com os rendimentos das famílias. No entanto, a aplicação desta medida tem sido adiada, com o atual Governo a comprometer-se apenas em colocá-la em vigor até ao final da legislatura. Chegou a ser incluída uma proposta no Orçamento do Estado para 2025, mas não foi viabilizada pela oposição.
As muitas propostas para resolver a criseCom as eleições legislativas antecipadas marcadas para 18 de maio de 2025, a habitação transformou-se num dos temas centrais da campanha eleitoral. Uma sondagem recente indica que, a par da saúde e da educação, a habitação é uma das principais preocupações dos portugueses para estas eleições.
“O país atravessa uma grave crise de acesso à habitação, materializada por um crescimento acelerado de preços e rendas desde, pelo menos, o ano de 2017, sem que tenha existido uma atempada e efetiva resposta de políticas públicas”, reconheceu o Governo PSD/CDS, liderado por Luís Montenegro, no relatório do Orçamento do Estado para 2025. O problema está identificado, mas as soluções divergem radicalmente entre os espetros políticos.
Os partidos do espetro da direita (Aliança Democrática, Chega e Iniciativa Liberal) apresentam propostas focadas na redução da carga fiscal, incentivos a proprietários e estímulo ao setor privado, sem grande intervenção direta do Estado no mercado. A AD, por exemplo, defende que “a intervenção pública com vocação de estabilização deve ser através da subsidiação dos arrendatários que precisam e não do castigo generalizado dos proprietários”.
Já os partidos à esquerda (PCP, PS, Bloco de Esquerda e Livre) defendem maior intervenção estatal na construção e regulação de habitação, controlo de preços, limitação da especulação imobiliária e um forte papel do Estado como promotor direto. O PCP propõe, por exemplo, “um forte e permanente investimento em habitação pública, concretizado com a mobilização de fundos públicos, com o valor anual de 1% do PIB”.
A crise da habitação em Portugal assume contornos cada vez mais dramáticos, com preços e rendas a crescerem a um ritmo superior ao dos rendimentos, uma oferta cronicamente insuficiente, custos de construção em alta e uma carga tributária que continua a ser das mais pesadas da Europa. Este não é apenas um problema económico ou social, mas uma ameaça ao tecido social do país, com impactos profundos nas perspetivas de vida de gerações inteiras.
As eleições legislativas de 18 de maio apresentam-se como uma oportunidade para definir o rumo das políticas de habitação nos próximos anos. No entanto, a real questão que se coloca é se qualquer uma das soluções propostas pelos partidos políticos será capaz de inverter, a curto ou médio prazo, uma tendência que se foi consolidando ao longo de décadas.
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