Habitação e coesão territorial

Até ao dia 27 de maio, data em que o Observador organiza a Cimeira das Cidades, desafiamos alguns especialistas a escrever sobre os desafios das urbes do futuro. A entrada no evento é gratuita, mediante inscrição, que pode ser feita AQUI.

Responder à questão “qual o principal desafio das cidades do futuro na área da habitação?” é tarefa que se afigura bastante difícil e que me leva imediatamente a devolver uma outra pergunta “quais cidades?!”. É que o principal desafio para Lisboa ou Porto não será certamente o mesmo que enfrentam Bragança, Tomar ou Santiago do Cacém; nem sequer para as restantes cidades que compõem as duas áreas metropolitanas o desafio será igual.

Para todas estas cidades, dizer “o respeito pelo direito à habitação” é resposta tão certeira quanto vaga. Porque o direito à habitação começa por ser ter um tecto, uma morada, mas não se limita a tal.

Esse tecto deve proporcionar segurança física, proteção contra o frio, a humidade, o calor, a chuva, o vento e outras ameaças à saúde e à vida (habitabilidade); deve dar acesso a recursos naturais e comuns, como água potável, energia para cozinhar e aquecer, iluminação, saneamento e instalações de armazenamento de alimentos (disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestruturas); deve estar situado em locais que permitam o acesso a oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas e outras infraestruturas sociais e não deve colocar os habitantes em risco devido à proximidade de fontes de poluição ou perigos ambientais (localização); deve respeitar a identidade cultural e os modos de vida dos seus ocupantes (adequação cultural); deve ser fisicamente acessível a todos, incluindo grupos vulneráveis, tais como pessoas com deficiência, idosos, crianças, etc. (facilidade de acesso); deve ter um custo que não comprometa a capacidade de satisfazer outras necessidades básicas como alimentação, educação e saúde (acessibilidade económica); e deve estar salvaguardado de despejos forçados ou arbitrários, assédio ou outras ameaças, independentemente da forma de ocupação (segurança legal).

São estes os elementos que o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais elenca como constitutivos do direito à habitação. E, portanto, o problema da habitação é, na realidade, uma combinação de problemas de habitação, em proporções variáveis, consoante a cidade. Por exemplo, em Câmara de Lobos, é um problema de habitação o facto de 30% dos alojamentos estarem em sobrelotação. Mas também é um problema de habitação que, no Barreiro, 20% da população empregada demore mais de uma hora a ir para o trabalho.

Dito isto, creio ter agora uma resposta para dar à pergunta feita. Em Portugal, o maior desafio das cidades na área da habitação é o da coesão territorial. Será, provavelmente, uma escolha pouco óbvia, numa altura em que o discurso se centra no aumento dos preços das casas, querendo com isso discutir a dimensão da acessibilidade económica – ainda que o preço, por conta das características distintivas da habitação e, consequentemente, do especial funcionamento do seu mercado, seja um péssimo indicador daquele elemento do direito à habitação.

Mas a verdade é que também as questões do preço não são alheias ao país territorialmente muito desigual que temos. A Lei de Bases da Habitação reconhece a ligação entre direito à habitação e coesão territorial. Portanto, de certo modo, os demais temas da Cimeira das Cidades – mobilidade, ambiente, tecnologia – são também eles sobre habitação. E muito importante será discuti-los em conjunto.

Vera Gouveia Barros é licenciada e mestre em economia. Foi docente da Universidade da Madeira e investigadora do ISEG e é autora do ensaio Turismo em Portugal e coautora do estudo O Mercado Imobiliário em Portugal (ambos da Fundação Francisco Manuel dos Santos).