Escavação em Silves revela pote islâmico invulgar e segunda linha de muralha

Na esquina entre a Rua João de Deus e a Rua Alexandre Herculano, em Silves, uma escavação arqueológica dirigida por Francisco e Eliana Correia, arqueólogos e fundadores da Maximus Arqueologia Lda., está a revelar vestígios de uma rua islâmica com cerca de 300 metros quadrados (m2), que a equipa situa entre os séculos XII e XIII – antes, durante e após a conquista cristã.
O imóvel, onde os trabalhos arqueológicos decorrem desde o início do verão, terá sido construído logo após o terramoto de 1755. Conheceu várias utilizações ao longo do tempo e foi, recentemente, adquirido por um investidor sueco, que pretende agora transformá-lo em apartamentos, preservando a fachada histórica.
O subsolo tem revelado vários achados inesperados, sendo o principal, até ao momento, um pote possivelmente inédito, «aparentemente com quatro asas, de forma oval, irregular», que, possivelmente não tem paralelo no acervo do Museu Municipal de Silves. Apesar de ter uma grande dimensão, não se pode comparar com a cerâmica de armazenamento conhecida deste período, que era maior.
Francisco Correia explica que terá sido, deliberadamente, «enterrada num canto entre estruturas, numa área exterior, que, em princípio, teria sido uma praça, um largo. Foi colocada à entrada de uma divisão, onde existem vestígios de um forno de produção de cerâmica».
O arqueólogo não sabe o significado nem o porquê, mas há provas que foi ali posto com um propósito. «É uma surpresa, pela forma do objeto, pela localização e posição. Podemos ver que há uma pedra a servir de tala para contê-lo no lugar. Foi colocado propositadamente ali, não há dúvida alguma», afirma. «Nestas cronologias não é comum, de todo», afirma.
«À primeira vista, esta tipologia de cerâmica ainda não tem paralelo, pelo menos aqui em Silves», e não tem traços comuns a outros artefactos conhecidos deste período.
«Sabemos que este tipo de ação, de enterrar coisas nas entradas ou em cantos, às vezes, aparece no período romano ou anteriores. No islâmico, ainda falta investigar um pouco mais, mas creio que será raro».
Naquela que seria a oficina de um oleiro, a equipa já retirou quatro potes inteiros. «Temos muito barro queimado, muita cinza, algum carvão», numa parte escavada nas últimas duas semanas.
Já o insólito pote, que apareceu a 1,5 metros abaixo da atual quota do solo, está muito danificado e terá de ser retirado da terra com todo o cuidado, mas o arqueólogo acredita que poderá vir a ser restaurado.
Ao lado do achado, surgem mais descobertas. «Temos um silo, que ainda está a ser escavado, e que durante a sua limpeza, a parede colapsou. Descobrimos que existe, a maior profundidade, um poço islâmico que está em perfeito estado de conservação, totalmente inteiro e limpo. Dá para ver o nível de água, e até verificámos a oscilação do nível com a maré».
O inesperado poço diz aos arqueólogos que «temos, neste sítio, dois sítios de ocupações islâmicas, com muito pouca distância temporal entre si, que podem ser explicados pela história da conquista de Silves».
Silves foi uma das principais cidades do Gharb al-Andalus, com muralhas poderosas, um castelo imponente e intensa atividade económica e cultural. Em 1189, D. Sancho I conquistou-a com o apoio de cruzados vindos do norte da Europa, após um sangrento cerco que dizimou uma grande parte da população.
Em 1191, contudo, dá-se uma reviravolta: os almóadas retomaram a cidade, que permaneceu sob domínio muçulmano durante décadas. Só no reinado de D. Afonso III, cerca de 1242, Silves foi finalmente integrada no território português.
Por isso, «temos aqui uma primeira fase óbvia, uma muralha, poços, e infraestruturas num lado da escavação, a quotas mais inferiores, que poderão remontar ao período exatamente anterior à conquista cristã. Depois, sabemos que, anos depois, quando os islâmicos voltam a conquistar a cidade de Silves, investem militarmente no reforço das defesas. É possível que então a cidade se tenha expandido para cima da muralha antiga. A verdade é que esta zona foi sempre ocupada».
A cronologia da ocupação é sustentada pelas cerâmicas recolhidas no local, ainda em fase de análise laboratorial. Até ao momento, os achados materiais confirmam um quotidiano simples: «a cerâmica é pobre, bastante comum. Temos vários potes inteiros, uma candeia pintada, mas tudo faz remontar aos séculos XII e XIII. Para já, parece que se tratava de uma zona onde vivia povo, pois nada indica um certo estatuto social».
Outro dado confirmado é a localização do alinhamento de uma segunda linha de muralha islâmica, já levantada em escavações realizadas em 2010. Esta estrutura já existiria antes da primeira conquista cristã e terá sido reforçada quando os mouros voltaram a tomar posse da cidade, altura em que se expandiu até ao rio, assentando em cima da antiga muralha.
As primeiras estruturas surgem a cerca de um metro e meio de profundidade, mas a ocupação estende-se até três metros.
Questionado sobre o contributo deste achado para o conhecimento da história local, sublinha que «a nível da sensibilidade pública, pensa-se que a ocupação islâmica está dentro dos muros do atual castelo. No entanto, já existem vários vestígios (…) na Biblioteca Municipal, no Bairro do Progresso, no Largo dos Mártires, e agora aqui. Portanto, sabemos que a ocupação islâmica transcende a muralha e vai até ao rio Arade».
Ouvido pelo barlavento, o responsável pela Notorious Paradise, Lda, promotor da empreitada, mostrou-se satisfeito por poder contribuir para o conhecimento da História de Silves. Considera, no entanto, que se trata de uma intervenção arqueológica de fundo, cujos custos elevados poderiam traduzir-se na carga fiscal, de forma a tornar a reabilitação urbana de zonas históricas mais sustentável e atrativas para as empresas e para o mercado.

Francisco Correia soma mais de 18 anos de experiência a trabalhar na arqueologia empresarial, percurso que começou ainda antes de concluir os estudos na Universidade do Algarve.
Este ano, por uma questão de «preservação de integridade profissional», fundou a empresa Máximus Arqueologia, juntamente com a arqueóloga Eliana Correia.
«As pessoas por detrás da Máximus têm já muitos anos de trabalho do sul do país. Neste momento, temos dezenas de projetos sob nossa responsabilidade. Prestamos todos os serviços, desde a prospeção, sondagens, escavações e acompanhamento arqueológico. Fazemos também consultoria, que é uma parte importante, porque os promotores nem sempre conhecem o impacto que pode haver, sobretudo quando se tratam de obras em centros históricos», descreve.

«Queremos ser uma empresa diferente e vamos operar no Algarve e Alentejo, tanto no litoral como no interior», até porque já está em marcha um processo de recrutamento de arqueólogos para a equipa.
Correia é contra a industrialização do serviço. «Sim, a nossa filosofia será muito mais, ao nível do que se passa na arqueologia nacional, muito mais aberta, mais disponível à parte humana. Com o projeto de expansão queremos criar uma família».
Barlavento