Aeroporto Luís de Camões: um nome, promessas, e silêncio

Em maio de 2024, o Governo português anunciou com solenidade a construção do novo aeroporto internacional de Lisboa, a localizar-se no Campo de Tiro de Alcochete, e que receberá o nome de Aeroporto Luís de Camões. Depois de décadas de avanços e recuos, pareceres contraditórios, comissões técnicas e promessas políticas falhadas, o país suspirava, crente de que o impasse tinha finalmente terminado. No entanto, mais de um ano depois, a pergunta mantém-se: em que ponto estamos? Terá havido avanços reais ou apenas mais um ciclo de anúncios sem concretização? Até agora, não existem sinais concretos de obra no terreno. Não há concursos públicos lançados, nem planos ambientais apresentados. O contrato definitivo entre o Estado e a concessionária ANA (grupo Vinci) continua envolto em sigilo, e as estimativas de entrada em operação dividem-se entre o discurso político — que fala em 2034 — e os cálculos técnicos da concessionária, que empurram a abertura para 2036 ou 2037. Este atraso é particularmente crítico quando falamos de um projeto desta dimensão: a única grande infraestrutura aeroportuária de raiz atualmente em curso na Europa.
O contraste com o crescimento turístico
Enquanto o novo aeroporto permanece em compasso de espera, Portugal bate recordes no turismo. Em 2024, chegaram ao país mais de 29 milhões de turistas internacionais, um crescimento que consolidou o turismo como setor-chave, representando mais de 21% do PIB e gerando cerca de 1,2 milhões de empregos diretos e indiretos. Lisboa é hoje uma das cidades europeias com maior procura turística e cultural, mas o Aeroporto Humberto Delgado já está saturado, operando muito acima da sua capacidade de design. Apesar de sobrecarregado, dispõe de uma vantagem importante: ligação direta ao metro, pela Linha Vermelha, que coloca o centro da cidade a menos de 25 minutos de distância. Esta integração é um requisito fundamental para qualquer aeroporto moderno. Basta olhar para Heathrow, em Londres, servido pela linha Elizabeth Line e pelo Heathrow Express, ou para Incheon, em Seul, ligado à cidade por comboios rápidos e metro, reduzindo significativamente as emissões e a dependência de transportes rodoviários.
A dúvida em Portugal é: o novo aeroporto Luís de Camões terá uma ligação ferroviária direta e eficiente? Até agora, não há qualquer plano confirmado para um ramal ferroviário ou extensão do metro de Lisboa até Alcochete. Fala-se na criação de uma ligação dedicada de alta capacidade, mas o silêncio das autoridades quanto ao modelo de transporte público é preocupante. Sem uma integração robusta, a nova infraestrutura arrisca-se a ficar refém dos automóveis e autocarros, aumentando a pegada carbónica e as dificuldades logísticas para passageiros e trabalhadores.
Sustentabilidade e pegada carbónica: uma oportunidade
A aviação é um dos setores mais desafiantes em termos de descarbonização. O Aeroporto Humberto Delgado, localizado em plena malha urbana, é responsável por elevados níveis de emissões de CO₂ e poluição sonora que afetam diretamente bairros, como Alvalade e Olivais. A construção do novo aeroporto poderia ser uma oportunidade única para mitigar esta pegada, adotando tecnologias mais limpas, painéis solares, combustíveis sustentáveis (SAF) e sistemas inteligentes de gestão de tráfego aéreo que reduzem tempos de espera em voo e no solo.
No entanto, nenhum plano público de sustentabilidade foi apresentado. Outros aeroportos recentes têm colocado a fasquia muito alta. Em Incheon (Seul), por exemplo, toda a expansão do terminal 2 foi desenhada para reduzir consumos energéticos em 40%, enquanto Changi, em Singapura, aposta em jardins interiores e ventilação natural para eficiência climática. Londres-Heathrow também avançou com metas de carbono neutro até 2050, integrando autocarros elétricos, energias renováveis e incentivos ao SAF. Portugal deveria ambicionar, pelo menos, padrões semelhantes.
Um projeto moderno, ou apenas um nome sonante?
A Europa caminha para aeroportos cada vez mais digitalizados, com uso de inteligência artificial para gestão de slots, sistemas biométricos para embarque e processos totalmente automatizados de bagagem. Sendo um projeto de raiz, o Aeroporto Luís de Camões teria a vantagem de nascer já com estas tecnologias integradas. Porém, sem um plano público, não sabemos se esta visão moderna está prevista ou se teremos apenas um modelo clássico de aeroporto, desatualizado à nascença.
A situação agrava-se quando se considera o calendário. Enquanto Londres-Heathrow planeia novas pistas em menos de dez anos e o Aeroporto de Berlim-Brandenburg conseguiu, apesar de atrasos, arrancar com soluções modulares, Portugal arrisca-se a esperar 12 anos até ver o primeiro avião aterrar em Alcochete. O tempo não joga a nosso favor, nem o turismo, nem o setor económico.
Conclusão: da promessa à ação
O Aeroporto Luís de Camões é mais do que uma obra pública; é um teste à capacidade de planeamento, transparência e execução de Portugal. Num contexto em que o turismo cresce, a mobilidade urbana exige integração e a sustentabilidade é palavra de ordem, um projeto desta envergadura não pode ficar preso a anúncios e relatórios técnicos. O país precisa de respostas claras: quando começa, quanto custa, como será construído e de que forma será ligado a Lisboa e ao resto do território. Neste momento, temos apenas um nome poético e muitas promessas. Mas um nome não move passageiros, nem reduz emissões, nem atrai investimento. Que o Aeroporto Luís de Camões seja, de facto, uma obra do futuro — e não apenas um símbolo do atraso do presente.
observador