A Queda nas Candidaturas ao Ensino Superior — Uma tragédia

Em 2025, 81.005 alunos do 12.º ano inscreveram-se para o exame nacional de Português. No entanto, apenas 43.899 estudantes foram colocados na 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior. O país reagiu com espanto. Os professores, porém, não se surpreenderam — conhecem bem a realidade das escolas.
Na comunicação social, multiplicaram-se os debates sobre causas e culpados. Apontaram-se fatores como:
A redução demográfica da população jovem;
As dificuldades económicas das famílias, sobretudo em cidades universitárias;
As alterações nas regras de acesso ao ensino superior.
Contudo, quem protagoniza este debate revela desconhecimento do terreno, falta de sentido crítico e, por vezes, uma certa arrogância. Fala-se muito, mas escuta-se pouco os professores — aqueles que acompanham diariamente os alunos e conhecem as suas dificuldades reais.
Ensino Profissional: Um Caminho com Obstáculos Invisíveis Em Portugal, cerca de 40% dos alunos do ensino secundário optam por Cursos Profissionais. Embora possam aceder ao ensino superior, enfrentam exigências desiguais:
Nos cursos científico-humanísticos, basta que a média entre nota interna e exame seja positiva (≥10 valores);
Nos cursos profissionais, os alunos têm de obter mais de 10 valores no exame para se poderem candidatar.
Um exemplo prático:
Manuel, aluno do ensino regular, obteve 14 valores na disciplina de Português. Para concluir o 12.º ano, basta-lhe obter 6 valores no exame, pois a média será 10. No entanto, não poderá concorrer a cursos em que Português seja prova de ingresso, pois a maioria das instituições exige mínimo de 9,5 valores (95 pontos).
Maria, aluna de um curso profissional, precisa de obter mais de 10 valores no exame para sequer poder candidatar-se ao ensino superior.
Este diferencial não é responsabilidade dos alunos, das famílias ou dos professores. É uma consequência de decisões políticas e estruturais que perpetuam desigualdades.
O Impacto da Pandemia: Uma Geração Marcada
Os alunos que hoje concorrem ao ensino superior tinham 13 anos em 2020 — estavam no 7.º ano. Durante o ensino básico, viveram os anos mais formativos em ensino à distância, com todas as limitações que isso implicou. Esperar resultados “normais” sem considerar este contexto é injusto e irrealista.
Desde então, assistimos à banalização das tecnologias, à retórica da “geração mais preparada de sempre” e à publicação de estatísticas que contradizem o que professores e encarregados de educação observam diariamente.
O Papel das Famílias: Silenciosos Construtores de Futuro
Como encarregada de educação, procurei colmatar as dificuldades dos meus filhos com manuais, explicações particulares e condições para estudarem. Fiz a minha parte. Nunca pressionei professores, nem recorri a pedidos de melhoria de nota. E, na altura dos exames, não fui de férias.
O meu filho entrou no ensino superior no ano passado, na área da Engenharia. Mas sei que muitos outros, com igual esforço, não conseguiram. E não por falta de mérito — mas por um sistema que não reconhece nem valoriza todos os percursos de forma equitativa.
observador