Não, não é perder tempo discutir o nexo dos Anjos

Nexo, sexo. Tomato, tomahto. A propósito, sabem o que faz lembrar ketchup? Além daquela declaração do Cristiano de que os golos são como o molho de polpa de tomate temperado com diversas especiarias. O que faz lembrar ketchup é a justiça portuguesa. Também porque os reconhecidos atrasos podem, nalguns casos, resultar em molho. Mas mais porque passam-se anos sem nada de verdadeiramente mediático ir a julgamento e num ápice, zás!, vem tudo de uma vez. Temos um Anjos vs. Joana Marques e, como se não bastasse, um José Sócrates vs. A impossibilidade de interpor mais recursos porque não há um número superior a infinito.
Quer dizer, acho eu que temos um José Sócrates vs. A impossibilidade de interpor mais recursos porque não há um número superior a infinito. Segundo li, o julgamento começará amanhã. Sendo que, segundo também li, ontem, o antigo primeiro-ministro apresentou, em Bruxelas, uma queixa contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem relativa à Operação Marquês. Servirá isto para alguma coisa? Não faço ideia – como, imagino, fizessem ideia – mas espero que, pelo menos, a visita de Sócrates a Bruxelas tenha servido para retribuir aquela célebre e tão simpática visita de António Costa a Évora.
Francamente, já nem sei por que crimes José Sócrates será julgado, mas tenho ideia que é por algo parecido com aquilo de que a Joana Marques é acusada. Os Anjos sustentam a acusação à humorista com o que consideram ser uma piada de mau gosto, sendo que o caso de José Sócrates, ao arrastar-se ao longo de 14 anos, ganhou, ele próprio, o estatuto de piada de mau gosto.
Piada de mau gosto que, inevitavelmente, é campo fértil para outras piadas, se não de mau gosto, de mérito duvidoso. Como aquela em que José Sócrates é considerado o Pepe Guardiola do sistema jurídico português: tal como o técnico espanhol, o político português apresenta recursos táticos nunca antes vistos. Dando assim cabo da Justiça, como alguns acusam Guardiola de ter feito com o Futebol? Isso já terão de perguntar ao Luís Rosa e ao Gabriel Alves. Eu estou aqui mais para as parvoíces.
Como a Joana Marques. O que me leva ao assunto que lança esta crónica: é importante discutir se tem nexo o processo que os Anjos moveram à humorista. Alguns dirão que discutir o nexo dos Anjos não é muito diferente de discutir o sexo dos Anjos. Mas esses alguns são simplistas, agarrados ao sexo (subtil, hein. Aqui, sabem que encontram humor fino) ter uma grafia muito semelhante ao nexo. Quando, em verdade, discutir o nexo dos Anjos não tem nada a ver com discutir o sexo dos Anjos. A discussão sobre o sexo dos Anjos foi despropositada por ter sido (segundo o Chat GPT) alimentada por teólogos bizantinos enquanto Constantinopla caía às mãos dos turcos otomanos, em 1453. Ao passo que hoje, a este ritmo, ainda temos para aí ano e meio até cairmos às mãos não sei bem de que cocktail de civilizações.
Aproveitando a civilização ainda ser vagamente ocidental, expressarei a minha opinião sobre este caso, recorrendo a uma muito organizadinha lista:
1. Têm os Anjos direito, sentindo-se lesados pela Joana Marques, a recorrer aos tribunais? Claro!
2. Têm os Anjos razões para se sentir prejudicados pela projecção que a Joana Marques deu à sua interpretação, estilo Zé Cabra, do hino? Muito provavelmente.
3. Sendo o humor uma entre várias formas de expressão, não devem os limites do humor ser os limites da liberdade de expressão? Sem dúvida.
4. Havendo liberdade para nos expressarmos, não haverá sempre o risco de alguém se sentir ofendido e prejudicado? Haverá.
5. Como se pode então garantir que nunca, em situação alguma, alguém se ofenda, se sinta prejudicado, ou alegue ter-se ofendido, ou sentir-se prejudicado? Essa é fácil. Reduzindo a zero todas e quaisquer formas de comunicação conhecidas, da falada à escrita, passando pela linguagem gestual, até aos sinais de fumo. Que há artistas capazes de lhes dar formas bem ofensivas e prejudiciais.
E aí, sim, e só aí, viveríamos todos na mais perfeita harmonia. Sim, mas como seria exactamente essa perfeita harmonia?, questionam vocês. Então, seria uma harmonia à imagem daquela harmonia em que, numa pedreira, vivem empilhados, tranquilos e felizes, os calhaus. A mim ia-me saber bem, dormir que nem uma pedra.
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observador