O direito constitucional à greve. Quem assegura os serviços mínimos?

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O direito constitucional à greve. Quem assegura os serviços mínimos?

O direito constitucional à greve. Quem assegura os serviços mínimos?

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) , após Assembleia-Geral que decorreu no dia 21 de junho, em Lisboa, deliberou decretar greve nacional, nos dias 9 e 10 de julho, bem como uma greve por distritos judiciais para os dias 11 e 14 de julho, para os magistrados colocados na área geográfica das Procuradorias-Regionais de Lisboa e Porto, respetivamente, e para o dia 15 de julho, para os magistrados colocados na área geográfica das Procuradorias-Regionais de Coimbra e de Évora.

Como todos sabemos, o direito à greve é um direito fundamental e irrenunciável dos trabalhadores, consagrado no artigo 57.º Constituição da República Portuguesa, e também nos artigos 530.º do Código do Trabalho e 394.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).

A greve tem como consequência a suspensão do contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade (art.º 536.º, n.º 1 do Código do Trabalho), ficando aquele colocado numa situação de imunidade em relação às consequências da sua abstenção de trabalhar.

Contudo, o direito à greve não é absoluto e pode sofrer limitações no caso de serviços ou atividades consideradas essenciais, onde a lei exige a prestação de serviços mínimos para garantir necessidades básicas da comunidade.

Nos termos do disposto no artigo 397.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades. Aqui incluem-se setores como a segurança e serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado.

A lei estabelece que a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Realizou-se, no passado dia 27 de Junho, uma reunião na Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), entre a Procuradoria-Geral da República e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar, nos termos do disposto no artigo 398.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 junho (LGTFP).

As partes acordaram que seriam realizados os seguintes serviços mínimos:

a) Atos processuais estritamente necessários a garantia da liberdade das pessoas, nomeadamente, interrogatórios de arguidos detidos;

b) Apresentação de menores detidos, nos termos do artigo 51º da Lei Tutelar Educativa;

c) Comunicações a que alude o nº7 do artigo 174º do Código de Processo Penal (buscas efetuadas por órgão de polícia criminal nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa);

d) Promoções referentes a validação de tratamentos involuntários urgentes, no âmbito da Lei de Saúde Mental;

e) Procedimentos de urgência referidos no artigo 91º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

f) Interrogatório de cidadãos detidos que se encontrem irregularmente em Portugal, com vista a aplicação de medidas de coação;

g) Diligências urgentes no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal;

h) Habeas Corpus; e

i) Tomada de decisão relativa a dispensa ou realização de autópsias médico-legais.

Acordaram ainda os meios para realização destes serviços mínimos, que constam de uma tabela anexa a tal acordo na qual se descreve, por área geográfica, o número de magistrados necessário para assegurar os serviços mínimos por comarcas/ juízos / núcleos.

A questão que se coloca é: havendo magistrados não aderentes à greve em número igual ou superior ao definido na citada tabela que elenca os meios para realização dos serviços mínimos, será ou necessário chamar o magistrado aderente à greve para desempenhar os serviços mínimos?

É verdade que o artigo 397.º, n.º 1, da LGTFP refere que “os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades”.

Mas quererá isto dizer que os serviços mínimos devem ser assegurados por trabalhadores grevistas quando há trabalhadores não grevistas ao serviço? Ou que o empregador está vedado de chamar o trabalhador que não aderiu à greve para desempenhar os serviços mínimos?

Sobre esta questão já o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou, em 12.03.2014, relator Desembargador José Eduardo Sapateiro, referindo expressamente que a utilização dos trabalhadores não aderentes não estava vedada por lei e é sempre possível à entidade empregadora lançar mão dos trabalhadores não grevistas para garantir os serviços mínimos essenciais.

Também no mesmo sentido, lemos a decisão de serviços mínimos para greve nas Entidades Públicas Empresariais de Saúde, após constituição do Tribunal Arbitral datada a 3 de junho de 2025, que estabelece expressamente que: o recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.

Assim, parece-nos evidente que a resposta à questão acima colocada só poderá ser negativa.

Bem sabemos que o direito à greve não é absoluto. Contudo, chamar um trabalhador grevista para prestar serviços mínimos, quando existe um trabalhador não grevista (que preenche o meio necessário acordado entre empregador e associação de trabalhadores), parece-nos constituir uma restrição desproporcional, desadequada e desnecessária, atacando o núcleo essencial do direito constitucional à greve.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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