Medicilândia e outras 5 cidades homenageiam presidentes da ditadura militar

Medicilândia, no Pará, e outras cinco cidades brasileiras têm nomes que homenageiam ex-presidentes da ditadura militar (1964-1985). O município paraense foi nomeado em referência ao ex-presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), assim como as cidades Presidente Médici em Rondônia e no Maranhão.
No Sul, dois municípios fazem homenagem ao ex-presidente Humberto Castello Branco (1964-1967), um no Paraná e outro em Santa Catarina.
Já no estado do Amazonas, o nome da cidade Presidente Figueiredo (a 125,5 km de Manaus) pode estar relacionado ao último presidente do regime, João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), mas a origem não é clara.
De acordo com a prefeitura, o município foi nomeado por este motivo. Segundo a câmara municipal, a ideia inicial era homenagear o governante, mas ele não aceitou que a cidade recebesse seu nome. O município teria homenageado, então, João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, presidente da província do Amazonas no tempo do Império.
Como mostra levantamento feito pela Folha, com base em dados do Censo 2022 do IBGE, ao menos 2.039 endereços no país— como ruas, praças, pontes e avenidas— , ainda preservam os nomes das 377 pessoas que constam no relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade) como criminosos do regime, além de locais que fazem referência ao "31 de março", data do golpe.

Entre as cinco cidades brasileiras com mais endereços que homenageiam a ditadura, a única que não é uma capital é Altamira (PA), marco zero da rodovia Transamazônica (BR-230), uma das grandes obras que se tornaram símbolo dos governos militares.
Até hoje, muitas cidades ao redor da Transamazônica têm referências e homenagens aos governantes da época, em especial a Emílio Garrastazu Médici, que inaugurou a rodovia, ainda inacabada, em 1972.
A rodovia de 4.260 km, que vai do litoral da Paraíba ao interior do Amazonas, foi parte do projeto do governo militar para ocupar o norte do país. Segundo o professor de história da UFPA (Universidade Federal do Pará) César Augusto Martins de Souza, a região amazônica era vista como um vazio demográfico, desconsiderando as populações indígenas e ribeirinhas que já ocupavam o espaço.
Junto à construção da rodovia, o governo iniciou o Programa de Integração Nacional, que visava levar, principalmente, famílias sem terra das regiões Nordeste e Sul para integrar agrovilas no interior do Pará e do Amazonas. "Eles recebiam um salário mínimo por seis meses e financiamento para moradia e para os lotes. Para essas pessoas, foi uma transformação de vida", afirma o professor.
Apesar disso, Souza diz que as vilas não receberam estrutura adequada de saúde ou educação após a fundação, ficando vulneráveis a doenças e ataques de insetos. "Depois da ditadura, a Transamazônica virou um fantasma. Só foi ter alguns trechos asfaltados com a construção de Belo Monte, no governo Dilma", afirma.
Medicilândia é uma das cidades que começou como uma agrovila, construída nos anos 1970, mas emancipada apenas em 1988, três anos após o fim da ditadura militar.
O técnico agrícola Márcio Oliveira chegou à cidade com a família aos 8 anos de idade, em 1981. Seu pai, ex-funcionário público, saiu do Mato Grosso do Sul, ganhou um lote do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e quase morreu de malária nos primeiros anos. "Era uma dificuldade tremenda na época. Tudo muito longe, não tinha estrada, muito inseto, todo tipo de sofrimento", conta Oliveira, hoje com 52 anos.
Segundo o técnico agrícola, o projeto do governo Médici exigia que os agricultores cultivassem cana-de-açúcar. Uma usina para a produção de açúcar e etanol foi instalada, mas a iniciativa não teve o sucesso esperado.
"Imagina você exigir isso de um agricultor que nunca tinha visto um pé de cana antes. Juntou uma péssima gestão, a inexperiência dos agricultores e o problema de escoamento, e o projeto foi decaindo", afirma Oliveira.
O professor César de Souza afirma que há relatos da década de 1990 sobre tentativas de mudar o nome do município, mas ainda busca documentos que confirmem isso.
Márcio Oliveira, por sua vez, diz não se lembrar de iniciativas no sentido de mudança de nome, mas tampouco vê moradores enaltecendo a ditadura.
"Os comentários que ouço são de pessoas que desconhecem a história da ditadura, mas não vejo esse romantismo. Até porque o Médici deixou a obra inacabada, e só em 2013 chegou o asfalto. Passamos 40 anos abandonados", afirma.
Presidente Médici, no Maranhão, foi o último município a ser criado entre os que prestam homenagem a ditadores que governaram o Brasil de 1964 a 1985. A cidade foi fundada em 1994, durante o governo de Itamar Franco (1992-1994).
Segundo a professora de História da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Caroline Bauer, certos ideais característicos da ditadura permaneceram após o fim do regime militar.
"Cronologicamente já não se vivia mais uma ditadura, mas isso não significa que as pessoas mudaram suas concepções político-ideológicas. Uma das perspectivas positivas de uma memória social sobre o governo Médici é aquela associada à representação do milagre econômico, de um Brasil moderno e de grandes obras", afirma.

As primeiras cidades registradas com nomes de presidentes da ditadura foram as homônimas Presidente Castello Branco (SC) e Presidente Castelo Branco (PR).
O município paranaense foi fundado no final de 1964 e instalado definitivamente em 1965, com sede no antigo distrito de Iroí, sendo território desmembrado de outros municípios.
Já a cidade catarinense tem origem no antigo povoado de Dois Irmãos, no oeste do estado. Em 1952, a região se tornou distrito e, em 1963, foi elevada à categoria de município. Dois anos depois, uma lei estadual mudou o nome da cidade para Presidente Castello Branco.
A Folha tentou contato com as prefeituras das cidades que homenageiam presidentes militares para saber se há iniciativas que buscam a alteração dos nomes, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
uol