Impacto de tarifaço dos EUA na inflação dependerá da reação do governo brasileiro, dizem economistas

BRASÍLIA - O tarifaço anunciado pelo governo americano sobre produtos brasileiros ainda gera debates entre economistas sobre os seus impactos na inflação. Por um lado, a moeda americana mais valorizada encareceria os produtos importados pelo Brasil. Mas, por outro, o redirecionamento para o mercado interno de itens que seriam exportados para os EUA puxaria a inflação para baixo.
A única certeza, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão, é que se o governo brasileiro decidir retaliar com tarifas também de 50% o quadro mudará de figura, com uma escalada da guerra comercial e efeito direto sobre os preços.
Por ora, a reação do mercado de câmbio tem sido relativamente contida, diz o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, porque o entendimento dos investidores é de que o governo brasileiro dará uma resposta calculada, baseada na diplomacia, e sem escalar a disputa com o presidente americano Donald Trump.
"A reação do dólar até agora foi muito calcada na ideia de que a reação do governo brasileiro foi mais contida, não houve uma retaliação imediata. Por isso, ficou claro que o que vai pesar sobre o câmbio vai ser justamente essa reação do governo brasileiro", afirmou Leal.
O dólar saltou de R$ 5,44 para R$ 5,50 na quarta-feira, dia do anúncio das tarifas (1,04%), com alta para R$ 5,54, na quinta. Na sexta-feira, contudo, ficou estável. Nos três dias, o aumento acumulado foi de 1,08%.
"Por ora, as forças sobre a inflação do tarifaço se anulam. O que teve de alta para o dólar neste momento não é nada, voltou para o mesmo patamar que estava há duas semanas. Se isso for diluído na inflação em 12 meses, é um efeito muito pequeno, que pode ser compensado por um aumento da oferta de carnes, por exemplo", pontuou Marcelo Fonseca, economista-chefe Reag Investimentos.
Ainda assim, o tarifaço de Trump pega o Brasil em um cenário adverso para a inflação, o que aumenta as incertezas. A inflação anual (12 meses) sobe de 5,35% até junho. Foi o sexto mês consecutivo de inflação acima do teto da meta de 4,5%, e muito acima da meta de 3% estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Isso obrigou o Banco Central a emitir uma carta explicando as razões para justificar o descumprimento da meta.
As expectativas também estão "desancoradas", com projeções acima da meta de 3% até o ano de 2028, de acordo com o Boletim Focus. Em audiência pública na Câmara dos Deputados esta semana, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, resumiu o cenário desafiador para a inflação, que tem "IPCA fora da meta no núcleo (que exclui itens mais voláteis), na inflação corrente, nas expectativas, e no núcleo de alimentos".
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, tem uma visão mais pessimista, e acredita em um impacto sobre os preços, mesmo que indireto. Ele lembra que Trump já avisou que irá subir novamente as tarifas em caso de retaliação e afirma que a decisão do governo americano é política, não econômica, já que os americanos têm superávit comercial com o Brasil.
"O risco é de uma escalada da disputa, em caso de retaliação do governo brasileiro, em um cenário parecido com o que houve com a China. Mas, mesmo que fique nos 50% de alta nas tarifas, terá efeito na inflação mesmo que indireto", afirmou.
Andrea Ângelo, da Warren Investimentos, entende que, para que o tarifaço tenha impacto mais forte sobre a inflação, o dólar terá de voltar a operar acima da casa de R$ 6, e permanecer nesse patamar por um longo período. Por isso, o mercado vai acompanhar com lupa todos os movimentos do governo brasileiro.
"Entendo que o viés seja desinflacionário para o IPCA, desde que o dólar não ultrapasse muito a barreira de R$ 6. Itens como café, suco de laranja e carne bovina, que têm peso importante na nossa pauta de exportações para os EUA, podem acabar ficando mais disponíveis aqui. Mas é preciso ver como as negociações andarão e qual vai ser a resposta do Brasil", afirmou Ângelo.
Pelo IPCA de junho, o café moído acumulava uma alta de preços de 77,88% nos últimos 12 meses. As carnes (de boi, porco e carneiro) subiram 23,63% na mesma comparação, com aumento de 15% no filé mignon, 24,15% na alcatra e 25,5% no patinho. Já a laranja pêra, mais usada para fazer sucos, tinha aumento de 6,26%.
Sérgio Vale, da MB Associados, também entende que a reação do governo brasileiro vai ser decisiva. Em um cenário mais extremo, caso o governo siga pelo pior caminho de também taxar os americanos em 50%, o Banco Central será obrigado a voltar a subir a taxa básica de juros, que já está em patamar elevado, de 15%.
"Se o Brasil retaliar integralmente, pode ser um problema, pode bater na inflação e também estender a alta de juros pelo Banco Central para mais tempo. Vai ser essencial saber como o Brasil vai se comportar. O melhor caminho seria pensar em uma resposta mais inteligente, como quebra de patente e ser bem seletivo no que retaliar", disse Vale.
Até o dia 1º de agosto, quando as tarifas americanas entram em vigor, será importante acompanhar como será a pressão dos setores mais atingidos pelas tarifas, pontuam os economistas. Tanto nos EUA quanto no Brasil, os lobbies setorias (aço, alumínio, agro, entre outros) vão tentar apaziguar a disputa, e isso pode levar a recuos de Trump, nos EUA, e a conter a resposta da Lula, no Brasil.
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