Entre o berço e o voto: ousar redefinir o sufrágio para incluir a voz dos jovens de 16 anos

No cadinho das democracias maduras, erige-se por vezes o brado audaz de refundar pilares que, embora sólidos, podem revelar-se gastos pela erosão do tempo. Proponho, pois, um exercício tão inusitado quanto necessário: baixar a idade eleitoral ativa para os 16 anos, num ousado projecto-piloto nacional, que se erigiria como farol para a Europa e exemplo de engenharia constitucional arrojada.
Não se trata, convém clarificar desde o proémio, de conceder aos juvenis um poder desproporcionado que os imberbes ombros não suportariam. Pelo contrário, delineia-se um sistema em que os votos dos cidadãos entre os 16 e os 18 anos seriam colhidos em urnas separadas, dotados de um peso específico de 20% no cálculo global dos resultados. Tal percentagem não surge de caprichosa inspiração, mas antes de um raciocínio que se ancora na esperança média de vida: sendo esta, em Portugal, superior a 80 anos, 20% representa, grosso modo, a porção que o intervalo até aos 18 anos ocupa no compasso da existência. Esta ponderação confere ao voto juvenil um simbolismo ímpar, sem diluir o valor absoluto do sufrágio adulto.
Este voto juvenil, semi-consultivo e semi-vinculativo, funcionaria assim como um termómetro social do porvir, um dado estatístico oficial, escrutinado e divulgado lado a lado com o resultado final. À semelhança do que sucede com sondagens de boca-de-urna ou estimativas de abstenção, este “voto dos 16” permitiria aos partidos e ao poder instituído ler as tendências das gerações vindouras e calibrar, com maior acuidade, políticas públicas que os afectam directamente — do clima à educação, da habitação à economia digital.
A magnitude desta proposta não consente, todavia, leviandades procedimentais. Exigirá uma revisão constitucional atempada e robusta, dado que o artigo 49.º consagra actualmente o direito de sufrágio a partir dos 18 anos. Propõe-se, por isso, que se estabeleça um calendário gradual: dois anos para debates parlamentares, audições de constitucionalistas e referendos consultivos locais; seguidos de dois anos para reformular a lei eleitoral, desenhar urnas próprias e formar técnicos e membros das mesas de voto para lidar com esta inovação.
Assim, dentro de quatro a cinco anos, poderíamos assistir à estreia deste projecto-piloto em eleições autárquicas ou europeias — terrenos de menor risco sistémico, mas de elevado valor formativo para o eleitorado juvenil. Ao cabo de uma década, seria então legítimo avaliar o impacto real desta medida e ponderar a sua generalização ou até mesmo o reforço do peso estatutário do voto dos mais jovens.
Muitos erigir-se-ão contra tal reforma, brandindo o estandarte da “imaturidade” ou do “perigo de manipulação”. Mas não se deverá perder de vista que a idade não é, por si só, um barómetro infalível de discernimento: muitos são os adultos que votam com base em impulsos rudimentares ou desinformados. Por outro lado, permitir o voto aos 16 com peso controlado inculca um sentido precoce de cidadania activa, promove a literacia política e, não menos importante, injecta nos partidos a saudável urgência de sintonizar com as aspirações dos mais novos.
Este não seria, pois, um capricho geracional, mas antes uma ousadia estruturante, uma reforma de longo alcance que faria de Portugal pioneiro europeu nesta matéria, erguendo-se como laboratório democrático. A História, em diversas encruzilhadas, sorri aos que ousam. Que não sejamos nós, no dealbar do século XXI, meros zeladores de tradições, mas antes artífices de um futuro mais inclusivo — mesmo que signifique confiar uma réstia do nosso destino coletivo aos que ainda palmilham os primeiros degraus da vida adulta.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Visao