Autárquicas 2025: Os casos, as polémicas e os lugares dourados

Há uma semana, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, e o coordenador autárquico do PSD, Pedro Alves, apareceram de surpresa numa reunião da comissão política da concelhia de Setúbal, para tentarem explicar aos militantes do PSD local por que razão a direção do partido se decidiu pelo apoio à antiga presidente da câmara, antes eleita pela CDU, e que agora regressa como independente. Em 2021, Maria das Dores Meira tinha atingido o limite de mandatos e concorreu, então, à Câmara Municipal de Almada, tendo perdido para a repetente socialista Inês de Medeiros. Quando Pinto Luz, na sua intervenção, referiu que, pela primeira vez, elementos da direção nacional participavam numa reunião da concelhia de Setúbal, para explicar uma escolha autárquica, o antigo ministro e vereador da câmara local, Fernando Negrão, interrompeu o orador, corrigindo os termos: o que os visitantes teriam vindo ali fazer foi “impor uma solução”. Os ânimos exaltaram-se e Pinto Luz e Pedro Alves foram alvo de apupos. A concelhia de Setúbal não consegue “engolir” esta escolha, mas o PSD, tal como acontece em Oeiras – voltando a apoiar o independente Isaltino Morais –, aposta num cavalo que considera vencedor, preferindo não gastar energias num candidato próprio que não teria qualquer hipótese.
Fontes do PSD de Setúbal afirmam à VISÃO que o apoio a Dores Meira é uma decisão pessoal do secretário-geral do partido – e líder parlamentar –, Hugo Soares, e interrogam-se sobre o que consideram uma incógnita: quem terá soprado ao ouvido do dirigente social-democrata o nome da antiga autarca da CDU?
Este regresso de Dores Meira é o caso mais mediático de uma dança de cadeiras que percorre o País, onde não faltam os autarcas que mudam de camisola, que mudam de concelho – por terem atingido, no seu município, o limite de mandatos – ou que regressam ao local onde já foram felizes. A lei da limitação de mandatos não impede uma candidatura do “limitado” a qualquer outro município, permitindo, assim, que se contrarie o que estava no espírito do legislador, e que era a renovação do pessoal político. Foi para evitar a eternização no poder dos chamados “dinossauros autárquicos” que se elaborou a lei que, a partir de 2005, proibiu o desempenho das funções de presidente de câmara municipal e de junta, no mesmo território, durante mais de três mandatos, ou seja, 12 anos consecutivos. Ora, nestas eleições para a escolha dos representantes locais, a 12 de outubro deste ano, cerca de 90 presidentes e câmara estão impedidos de se recandidatar à mesma autarquia (fora os outros, que já saíram…) Destes, os socialistas estão em maioria (ver caixa com mapa). E dado que o incumbente teria sempre tendência para ser reeleito, em cada um destes municípios, sobe a incerteza sobre o vencedor naqueles onde já não há incumbente. Autarquias tão importantes como Porto, Évora, Faro, Sintra e Cascais estão nestas circunstâncias. Na noite eleitoral, há várias vitórias (ou derrotas…) possíveis: ganha quem tem mais votos. Ganha – ou tem ganhos de causa – quem conseguir autarquias mais importantes (independentemente do resultado global). E ganha, sobretudo, aquele que detiver, no final, a presidência da influente ANMP (Associação Nacional dos Municípios Portugueses), atualmente detida pelo PS. Ou seja, quem tiver mais câmaras obtém o lugar (atualmente desempenhado pela presidente socialista da Câmara Municipal de Matosinhos, Luísa Salgueiro). Acresce um enorme motivo de interesse: o PS é o partido que tem maior número de autarcas em limite de mandatos e, portanto, impedidos de se candidatarem ao mesmo município – embora, como veremos, possam fazê-lo noutro local. Isto significa que há mais incerteza para as hostes socialistas e mais esperança por parte do PSD de arrebatar a presidência da ANMP ao PS. Mesmo que os que mudam de câmara possam minimizar os estragos…

Exemplos? O autarca comunista de Évora, da CDU, Carlos Pinto de Sá, atinge o imite de mandatos. Mas isso pode não significar o fim da linha: Pinto de Sá volta, agora, a candidatar-se à câmara vizinha de Montemor-o-Novo, que liderou entre 1993 e 2013. 12 anos? Não: uma vida como autarca. O seu camarada Vítor Proença, de Alcácer do Sal, limitado pelo mesmo impedimento, volta para a sua “zona de recuo”, procurando reconquistar a Câmara Municipal de Santiago do Cacém, que já presidiu entre 2001 e 2013. Pode ser que tenha a vida facilitada, visto que o autarca comunista de Santiago, Álvaro Beijinha, atingiu ali o limite de mandatos e já não se candidata. Mas não há problema: ele vira-se, agora, para uma candidatura a Sines, onde o autarca do PS Nuno Mascarenhas está impedido de concorrer. O mesmo acontece com o socialista António Miguel Pina, que sai de Olhão para se lançar no difícil desafio de Faro, onde o autarca social-democrata, Rogério Bacalhau, também atingiu o limite de mandatos. Faro é, assim, uma câmara em aberto, com o Chega a espreitar a sua oportunidade (fala-se na candidatura do líder parlamentar Pedro Pinto, que foi eleito deputado como cabeça de lista pelo distrito) e o PSD de Cristóvão Norte, aparentemente, a liderar (segundo sondagens recentes) as intenções de voto.
O Chega pescou em vários partidos “do sistema”
O nome mais sonante roubado pelo Chega ao PSD é o de Miguel Côrte–Real, ex-líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal do Porto e agora o candidato do partido de André Ventura à presidência da câmara. Após as legislativas de 2024, Côrte-Real foi signatário do manifesto Portugal em Primeiro, onde um grupo de personalidades do PSD pedia um entendimento com o Chega. Mas este partido tem várias outras flores na lapela, incluindo elementos oriundos do PS, e até da CDU. É o caso, respetivamente, do histórico (ex) socialista António Parada, em Matosinhos, e de Virgílio Silva, em Alcácer do Sal. Já um ex-presidente de junta eleito pelo CDS em Vale de Cambra (município liderado pelos centristas), Manuel Campos, também é candidato do Chega. Na Sertã, a aquisição é a do ex-PSD José Nunes, muito popular na localidade onde também já foi presidente de junta. Há vários ex-vereadores sociais-democratas a encabeçar as listas do Chega em Vila Real, Santa Marta de Penaguião, Mangualde, Figueiró dos Vinhos. No Algarve, o Chega roubou ao PS um candidato para Silves. Entre deputados municipais e presidentes de junta, foi “pescar” ao PSD em Ponte da Barca, Mondim de Basto, Santa Maria da Feira e Aljezur, e ao PS o antigo presidente de junta, Eduardo Rodrigues, em Caminha. Viana do Castelo e Albufeira são mais dois concelhos com ex-PSD agora no Chega. Em Setúbal, o Chega explora a ausência de candidato próprio do PSD (que apoia a independente ex-CDU Maria das Dores Meira) apresentando a antiga deputada social-democrata Lina Lopes.
Mais a norte, outros socialistas em limite de mandatos se preparam para ser largados de paraquedas noutros municípios: Vítor Pereira, da Covilhã, tenta, agora, a sorte em Belmonte, onde o seu camarada António Rocha está de saída; José Manuel Ribeiro deixa Valongo para se candidatar à Maia; e Pedro Ribeiro, de Almeirim, vai desafiar o PSD em Santarém. E voltando à CDU, João Português, que atingiu o limite dos mandatos em Cuba, desafiará o socialista Pita Ameixa (a caminho do estatuto de “dinossauro”…) em Ferreira do Alentejo.
Os bastiõesDas grandes cidades – e dos grandes municípios, mesmo não sendo estes, necessariamente, capitais de distrito –, Lisboa, Porto e Sintra são das autarquias mais renhidas. Nas duas últimas, os atuais presidentes de câmara, respetivamente, Rui Moreira, independente (que pode abalançar-se a uma candidatura a Belém) e Basílio Horta, independente eleito pelo PS, estão de saída. A luta, no Porto, será épica: dois ex-ministros, Manuel Pizarro (PS) e Pedro Duarte (PSD) disputam a primazia. Mas o nº 2 de Rui Moreira, Filipe Araújo, quer manter a chama do seu movimento independente acesa. E até temos a candidatura independente de outro antigo presidente da câmara – Nuno Cardoso (1999-2001), sucessor de Fernando Gomes, então pelo PS. Quem conquistar o Porto terá motivos para declarar vitória, a 12 de outubro, sobretudo se a esse prémio juntar Lisboa. E Lisboa pode ser renhida: o favoritismo do incumbente Carlos Moedas (PSD) não é claro, perante uma combativa Alexandra Leitão (PS). Cientes das dificuldades – não serão favas contadas para ninguém –, ambos os candidatos procuraram congregar o maior número de apoios possível, com Moedas à cabeça de uma ampla frente de direita, que não tem o Chega mas tem a IL – uma novidade, relativamente a 2021 –, e Alexandra Leitão a mobilizar uma não menos sólida frente de esquerda, que não tem a CDU mas conta com o BE e com o Livre. Já Sintra é outra das câmaras em aberto. Sendo uma das mais populosas e importantes do País, tem um Chega em crescendo, que pode intrometer-se entre os dois grandes partidos autárquicos que têm alternado no poder municipal: Rita Matias – que foi cabeça de lista em Setúbal, nas legislativas… – é a candidata da direita populista e radical. E vai dar luta.
Tachos para os “reformados”O Chega é uma das maiores incógnitas destas eleições. Quarta força partidária, em número de votos, em 2021, teve, porém, resultados modestos em número de mandatos, não tendo conquistado uma única câmara. Como nova segunda força política nacional, é inevitável que veja, agora, mudar esse quadro. As apostas indicam o Chega como o terceiro partido autárquico, com hipótese de ganhar para cima de 20 câmaras. A pressão exerce-se, sobretudo, na Margem Sul do Tejo, nalguns municípios do Alentejo e no Ribatejo, onde as hipóteses são claras. Para não falar do Algarve, onde pode surpreender.
Passaram os tempos dos candidatos-cromo de 2021. André Ventura preparou estas autárquicas com muito cuidado, procurando selecionar pessoal político habilitado a comer de faca e garfo, e mesmo que ainda apareçam alguns concorrentes inapresentáveis, o Chega foi pescar, cautelosamente, em águas de outros partidos, especialmente, no PSD (ver caixa).

O PSD, por sua vez, tentou minimizar os danos, nomeadamente, arranjando “colocação” para os autarcas de saída que não desejem – ou que não tenham hipótese ganhadora… – candidatar-se a outro município. Na dança de cadeiras dos lugares do Estado, ter o cartão partidário e uma boa folha de serviços pode valer ouro – ainda que a polémica tenda a instalar-se, como veremos nalguns dos casos seguintes. Na verdade, praticamente um terço dos autarcas de saída já tem nova zona de conforto num lugar de nomeação governamental – entre os quais, quatro secretários de Estado, como Salvador Malheiro, conhecido presidente da Câmara Municipal de Ovar e atualmente secretário de Estado das Pescas. Silvério Regalado, de Vagos, é o novo secretário de Estado da Administração Local. Rui Ladeira, de Vouzela, foi nomeado secretário de Estado das Florestas. Emídio Sousa, de Santa Maria da Feira, também mandatário de Luís Montenegro, na candidatura à liderança do PSD em 2020, ficou como secretário de Estado do Ambiente. Com menos sorte, o edil de Bragança, que tinha antecipado o final do seu último mandato na cidade transmontana, teve de se demitir de secretário de Estado da Administração Local, na sequência do caso da Lei dos Solos, mas foi eleito deputado, por ter garantido lugar elegível.
Outros seis nomes encontraram colocação, ao serem também eleitos nas listas de deputados ou, mesmo, de eurodeputados. Mas não só: o autarca cessante de Santarém, Ricardo Gonçalves, foi há cerca de um ano para o Instituto Português do Desporto e da Juventude. Rogério Bacalhau, de Faro, foi indicado para presidir o conselho de administração da Águas do Algarve, logo que cesse funções.
São 89 os presidentes de câmara que já não podem voltar a candidatar-se, o que coloca mais incerteza nos resultados. Quem é que tem mais a perder?
A CDU, que tem registado perdas consecutivas nas eleições autárquicas, continua, no entanto, a ser uma importante força política no poder local: ainda manteve 19 câmaras em 2021. Mas, este ano, os comunistas são quem corre mais riscos: em 13 dessas 19, cerca de dois terços, os seus “dinossauros” autárquicos vão ter de dar lugar a outro, por terem atingido o limite de mandatos. Muito pressionada pelo PS, em 2017 e em 2021, a CDU tem agora a pressão adicional do Chega, em locais como Palmela (mas onde está de regresso, como candidata, a antiga e icónica autarca comunista Ana Teresa Vicente). Por outro lado, uma das câmaras em risco é logo uma capital de distrito, Évora, a que pode juntar-se outra, Setúbal, com o regresso de Maria das Dores Meira, ex-CDU agora apoiada pelo PSD (ver texto principal).
Mas o partido que mais “rói as unhas”, este ano, é mesmo o PS: 49 câmaras em 149 contra 20, do PSD, em 113, atingiram limite de mandatos. Sintra, Loulé e Angra do Heroísmo estão entre as principais autarquias em risco, não contando com o eixo do Ribatejo, onde a CDU já foi forte e onde o Chega emerge ameaçadoramente. Já o CDS pode perder, por esta via, metade das suas câmaras. Entre as autarquias detidas por independentes em fim de ciclo, a principal é a do Porto, com resultado totalmente imprevisível.
Mas há mais: António Costa Pereira, de Esposende, foi para presidente do IHRU (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana); José Luís Gaspar, de Amarante, passa a presidir a ULS do Tâmega e Sousa; Rogério David da Silva, de Fronteira, passa a vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente; Vasco Estrela, de Mação, vai para a CCDR do Centro; José Bernardo Nunes, do Cadaval, foi para vice-presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo; Sérgio Pereira da Silva (Trofa) e Isilda Gomes (Portimão) conseguiram lugar elegível nas listas para o Parlamento Europeu e já estão em Bruxelas. Os autarcas de Vila Pouca de Aguiar, Sernancelhe e Câmara de Lobos, todos no seu último mandato, fizeram a agulha para São Bento e são, agora, deputados da Nação. De notar que, na maioria dos casos, estes concelhos não constam do nosso mapa de autarquias com presidentes em final de mandato (ver caixa) porque, em 2024 ou no início deste ano, já foram previamente substituídos pelos seus números dois que estão, assim, a cumprir parte de um primeiro mandato…
Regressos icónicosEntre as muitas curiosidades das eleições autárquicas, temos os regressos de nomes icónicos à liça eleitoral: assim, Luís Filipe Meneses, muitos anos depois, volta a candidatar-se a Vila Nova de Gaia; Ana Teresa Vicente, carismática autarca que colocou Palmela no mapa, é a aposta da CDU para suceder… ao seu sucessor. E, voltando ao início deste texto, Maria das Dores Meira, historicamente eleita pela CDU, que deixou, pelo seu estilo entre o popular e o populista, grande cartel em Setúbal, onde é conhecida como “a Dores”, disputa agora o lugar com o seu sucessor da CDU, o militante do PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) André Martins, que tinha sido seu presidente da Assembleia Municipal, antes de a substituir, ele próprio, por ela ter atingido, em 2021, o limite de mandatos. Esta disputa fratricida invoca outras zangas do passado, como a que dividiu Isaltino Morais e Paulo Vistas, quando aquele quis regressar a Oeiras e se viu confrontado com a recusa deste em lhe ceder o lugar. Por falar nisso, repita-se, Dores Meira é apoiada pelo PSD – e Isaltino Morais também. Quando não podes vencê-los…
Visao