A oportunidade irrepetível

O grande sucesso dos Estados Unidos no pós-guerra é atribuído por muitos à explosão do ensino superior. Ainda antes do conflito, os EUA acolheram cientistas que fugiam dos regimes opressivos que dominavam a Europa. Desde logo, os físicos, cuja contribuição foi crucial para o projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba atómica, mas muitos outros se instalaram na América.
A colaboração entre cientistas europeus e americanos enriqueceu as comunidades académicas e teria um grande impacto nos desenvolvimentos científicos do pós-guerra. O ensino superior americano registou então um crescimento impressionante: entre 1945 e 1975, o número de instituições académicas triplicou, o número de professores teve um aumento de 400% e o de alunos um crescimento de 500%. Para isso contribuiu a GI Bill, que pagou propinas e bolsas de estudo aos veteranos de guerra. Em apenas dois anos, os candidatos desse programa constituíam quase metade dos estudantes do ensino superior.
Houve também um gigantesco estímulo público à investigação, depois do relatório Ciência: a Fronteira sem Fim, de 1945, ter proposto o apoio do governo à ciência de base em tempo de paz. Finalmente, o National Defense Education Act, de 1958, levou a que o governo federal financiasse diretamente a educação, não tendo de recorrer a contratos para a investigação.
A estratégia foi decisiva para que os EUA se transformassem na superpotência hegemónica, e moldou a sua sociedade, abrindo oportunidades ao talento e favorecendo a meritocracia, em linha com a promessa de Harry Truman de eliminar as barreiras colocadas às oportunidades educativas com base na ascendência.
Seguida por sucessivas administrações desde há oitenta anos, assiste-se com Trump a uma rutura com esta política, que ele ensaiara já no seu primeiro mandato, com um ataque às instituições académicas então vetado pelo Congresso. Trump invoca que a liberdade académica, que deve proteger professores e investigadores da interferência política, está condicionada nas mais ilustres universidades pelo esquerdismo woke. Mas é ele, de facto, que a quer condicionar, com uma estratégia anticiência que penaliza todo o sistema. Segundo a insuspeita Forbes, o esforço de Trump para punir as instituições que considera woke, reduzindo os research grants, está a revelar-se trágico para todas as universidades, mesmo em estados republicanos. Em seis meses apenas, afetou mais de 600 universidades, já penalizadas pela restrição de vistos a estudantes estrangeiros, que lhes garantiam uma importante fonte de recursos.
É paradoxal que, numa altura em que os EUA apostam em tarifas para reforçarem a sua capacidade industrial, promovam políticas que reduzem e desincentivam o investimento em investigação tecnológica. Tanto mais que, na percentagem do PIB, países como a Coreia do Sul investem muito mais do que os EUA em investigação. Em consequência, está a ocorrer um êxodo de professores e investigadores americanos. Doze países-membros escreveram à Comissão Europeia exigindo medidas concretas no acolhimento e na atribuição de vistos especiais para atrair académicos americanos, e inúmeras universidades europeias já criaram programas para acolher os que se queiram radicar na Europa.
Sei, por conhecimento direto, que alguns veem Portugal como o melhor destino. É um filão irrepetível, que em parte poderia ser alocado ao orçamento comprometido para a defesa, e introduziria um acelerador no nosso sistema técnico-científico. Se as universidades e os centros de investigação não têm recursos, cabe ao governo criar essas condições.
Jornal Sol