Entre protestos e desespero, autoimolações aumentam na Tunísia

"Esta é a delegacia. Me prenderam duas vezes em um mês por uso de drogas. Vim pegar meu documento de identidade", diz o jovem. Atrás dele, fica a delegacia no bairro de Hay Riadh, em Sousse. Seu amigo, que segura a câmera, o filma entrando na delegacia.
"Ele é realmente louco, ele é louco", sussurram. Alguns segundos depois, uma bola de fogo e gritos, e o vídeo para. Transferida para o hospital de queimados Ben Arous naquele dia, a vítima morreu lá alguns dias depois. O primeiro suicídio por autoimolação do mês ocorreu em 6 de fevereiro de 2025.
Duas semanas depois, não há vestígios do incidente na delegacia de Hay Riadh. Os policiais se recusam a comentar "sem autorização do Ministério do Interior".
É preciso dizer que o caso é delicado: imagens do incidente, divulgadas imediatamente nas redes sociais, circularam rapidamente pela internet e provocaram reação pública. Na noite de 6 para 7 de fevereiro, a delegacia de Hay Riadh foi alvo de coquetéis molotov e fogos de artifício.
Vários meios de comunicação também destacaram outros suicídios por autoimolação nas semanas seguintes. O site de mídia online Rassd listou pelo menos 10 casos semelhantes desde dezembro de 2024, um dia após o suicídio de Sousse.
O Presidente da República chegou a declarar que uma “série de eventos ocorreram antes do Ramadã, como suicídios por autoimolação, envenenamentos, escassez repentina”, perante seu Conselho de Segurança Nacional em 21 de março de 2025.
[Kaïs Saïed] denunciou no mesmo discurso o “lançamento de pedras” e o “disparo de morteiros”, que disse terem sido coordenados, “em várias regiões, como aconteceu em 2011 e 2012”.
É preciso dizer que, em Sousse, as imagens dos confrontos com a polícia lembram os primórdios do fenômeno da autoimolação, que começou com a revolução. No entanto, o fenômeno não é novo nem está em ascensão.
“Vi os jovens chegarem com bombas molotov, fechei a loja e fui para casa”, lembra o dono de uma mercearia que testemunhou os confrontos em Hay Riadh. Imagens compartilhadas online mostram dezenas de pessoas correndo pelas ruas ao redor da delegacia, atirando projéteis contra viaturas policiais que tentavam prendê-los. “Esses são os viciados em drogas, os traficantes, os que causam problemas com a polícia”, continua o dono da mercearia, que explica que “não entende” o que pode ter levado a vítima à autoimolação.
“Após a revolução e Mohamed Bouazizi, a autoimolação tornou-se uma forma recorrente de protesto”, explica Hatem Nafti, autor de vários livros sobre a vida política tunisiana. O suicídio do jovem vendedor ambulante de Sidi Bouzid de fato lançou o movimento de protesto que derrubaria o regime de Ben Ali, bem como uma série de atos semelhantes que continuariam após 2011.
Segundo estatísticas do Fórum Tunisiano de Direitos Econômicos e Sociais (FTDES), o pico do fenômeno foi atingido vários anos depois, entre 2015 e 2018.
“Entre 2016 e 2017, houve uma espécie de desencanto com o movimento social”, lembra Nafti. “O governo havia assumido o poder e os protestos não produziam mais resultados.” Segundo dados do FTDES, o fenômeno dos suicídios por autoimolação sofreu uma forte interrupção durante a pandemia de Covid-19, estagnando em níveis baixos a partir de 2021 – ano do golpe de Estado de Kaïs Saïed.
Hatem Nafti lembra que este último “conseguiu reunir ao seu redor os marginalizados, aqueles que se ressentiam do sistema”, ao mesmo tempo em que sufocava gradualmente as vozes dissidentes.
"A repressão dos movimentos sociais, a eliminação de órgãos intermediários, prisões, processos e o retorno de um estado policial: todos esses elementos quebraram a dinâmica dos protestos, cuja expressão mais extrema poderia ser a autoimolação", explica Hatem Nafti.
Entre janeiro e março de 2025, foram registrados 12 casos de suicídio ou tentativa de suicídio por autoimolação, de acordo com o último relatório trimestral do FTDES. Esse número é equivalente ao registrado no mesmo período de 2022 e ligeiramente inferior ao do primeiro trimestre de 2023, que registrou 15. Portanto, é difícil interpretar esses incidentes como sinais de um ressurgimento do protesto político, especialmente porque essa forma de ação radical já havia começado a declinar.
Embora as palavras ditas pela vítima de Hay Riadh diante das câmeras não deixem dúvidas sobre seu conflito com a polícia, é difícil saber precisamente seus motivos.
O autor do vídeo da autoimolação em Hay Riadh foi preso e levado sob custódia, antes de ser liberado para julgamento alguns dias depois. Ele também se recusa a explicar os motivos para filmar e não ajudar o amigo, apesar das evidências de um ato premeditado. "As imagens, a maneira como falamos sobre elas, podem encorajar as pessoas ou fazer com que o evento pareça mais significativo do que realmente é", confidencia um policial do distrito policial de Zaouiet Sousse, responsável pelo caso.
“Um fator determinante no aumento da taxa de suicídio é o efeito Werther [o fenômeno leva o nome do romance de Goethe Os Sofrimentos do Jovem Werther, publicado em 1774, que desencadeou uma onda de suicídios imitadores entre os jovens leitores da época], um fenômeno de contágio identificado pelo sociólogo David Phillips em 1974, observando um ressurgimento de suicídios depois que certos casos receberam cobertura da mídia”, explica Farah Trabelsi, psicóloga clínica e membro da Associação Tunisiana para a Promoção e Prevenção da Saúde Mental entre Jovens (ATPPSMJ).
Segundo Trabelsi, esse efeito de imitação se deve a causas complexas e diversas, algumas das quais estão ligadas à “repetida e, às vezes, sensacionalista cobertura midiática” de suicídios por autoimolação.
Hatem Nafti, por sua vez, reconhece que, "na corrida por cliques e visualizações, a mídia tunisiana provou que está preparada para ir muito longe".
Não há estatísticas públicas sobre a tendência ou distribuição de suicídios por autoimolação no país, sendo o FTDES a única organização a publicar tais dados. Em alguns documentos, "a equipe que elabora os relatórios decidiu evitar a divulgação do método de suicídio", explica Romdhane Ben Amor, porta-voz do FTDES. Ele especifica que essas decisões são tomadas "sem qualquer pressão" das autoridades.
A abordagem da FTDES também lembra que, antes de ser considerada uma possível forma de protesto político, o fenômeno da autoimolação faz parte da dinâmica da evolução dos suicídios na Tunísia. Além disso, nos relatórios mensais publicados pela organização, as causas frequentemente listadas incluem "problemas escolares", "conflitos familiares" ou "distúrbios psicológicos", além de razões socioeconômicas como "desemprego" ou "precariedade".
No ano passado, o FTDES também observou que o suicídio — em geral — parecia ter como objetivo cada vez mais matar a si mesmo, com uma taxa de sobrevivência para tentativas de 21,05% nos primeiros três meses de 2024.
"Parece que esses atos estão cada vez mais levando à morte, e que o objetivo dessas ações não é mais o protesto, mas o apagamento e a autodestruição definitiva das pessoas que cometem esses atos de violência autoinfligida", explica o relatório do FTDES.
Os dados do FTDES também mostram que o suicídio por autoimolação geralmente acompanha as estatísticas de outras formas de suicídio. Com uma ligeira super-representação de homens, que já são a população mais afetada pelo suicídio. Em todo o mundo, "as estatísticas revelam uma prevalência acentuada entre os homens, particularmente entre os jovens adultos", lembra Farah Trabelsi, que observa que "os homens usam com mais frequência meios violentos, como enforcamento ou autoimolação, o que explica uma maior taxa de mortalidade".
A psicóloga explica que esses números podem ser explicados, entre outras coisas, por “normas de virilidade que desencorajam a expressão do sofrimento”.
Diante desse fenômeno, as autoridades atuais se beneficiam principalmente dos investimentos feitos após a revolução na luta contra o suicídio. "A Tunísia é o primeiro país do mundo árabe a desenvolver uma estratégia nacional de combate ao suicídio, abrangendo o período de 2016 a 2019", lembra Farah Trabelsi. Em 2015, também foi criado um comitê técnico de combate ao suicídio, liderado pela Dra. Fatma Charfi, que apoiou notavelmente as recomendações da HAICA [Alta Autoridade Independente para a Comunicação Audiovisual].
O Ministério da Saúde também lançou um centro de apoio psicológico gratuito em fevereiro de 2025. Ligações foram feitas várias vezes entre o final de abril e o início de maio de 2025, mas o número não foi atendido.
Courrier International