Nas prisões brasileiras, leitura para conseguir redução de pena

Desde 2012, uma lei permite que presos brasileiros reduzam suas penas em quatro dias para cada livro lido. Mas em um sistema prisional onde pouco mais da metade dos presos tem pouca ou nenhuma alfabetização, o acesso a esse sistema continua muito desigual.
Três vezes por semana, 130 detentas do presídio feminino Talavera Bruce, na zona oeste do Rio de Janeiro, reúnem-se na sala de leitura, um "pequeno refúgio" mobiliado com "pufes, almofadas, um tapete e uma estante". Todas elas participam do projeto “História além muros”, lançado em 2021 para incentivar a leitura entre mulheres encarceradas, informa o jornal O Globo .
Supervisionados por mediadores, os participantes discutem suas leituras, compartilham um lanche e podem pegar até três livros emprestados para levar para sua cela. Diante das “dificuldades de leitura” manifestadas por vários internos, o acervo de 600 obras – quase todas provenientes de doações – se diversificou, com literatura brasileira e estrangeira, poesias, histórias em quadrinhos e livros infantis. Na prisão, “perdemos a nossa essência”, disse um recluso ao jornal, antes de acrescentar:
Os livros nos ajudam a reacender sentimentos, memórias... É como se estivéssemos reaprendendo, voltando a ser crianças. Deixamos de ser prisioneiros e reencontramos nossa identidade.
Alguns títulos disponíveis também são integrados a um programa oficial de redução de pena. Desde 2012, uma lei permite que os presos reduzam a pena em quatro dias por cada livro lido, sobre o qual devem escrever uma pequena redação, que é avaliada por uma comissão, explica o site em português da rádio alemã Deutsche Welle . Dessa forma, é possível deduzir até quarenta e oito dias por ano. Desde 2021, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça estendeu esse sistema, em especial, aos audiolivros, com restituições orais, em desenhos ou em músicas.
"A ideia central" desta lei "era incentivar os presos e contribuir para sua reinserção na sociedade", enfatiza o professor e pesquisador de literatura Rossaly Lorenset em artigo na versão brasileira do site de notícias australiano The Conversation . “Mas o problema é a grande distância entre o mundo ideal e a realidade quando se trata da questão prisional.”
Porque o acesso à leitura nem sempre é garantido nos presídios brasileiros, dos quais 30,4% não possuem bibliotecas. Isso compromete o escopo deste sistema, que atualmente está disponível para quase um terço dos prisioneiros, observa a Deutsche Welle . Como resultado, as associações às vezes assumem isso de forma voluntária.
Essa política também depende de “ordenanças locais” e conta com a cooperação dos poderes judiciário e executivo para ser aplicada em todo o território – o que está longe de ser sistemático. No estado do Mato Grosso do Sul, os tribunais limitam os planos de redução de pena às horas de trabalho.
Para pessoas que não concluíram seus estudos, se beneficiar desta lei é ainda mais complicado. No estado de São Paulo, que "tem a maior população carcerária" do Brasil, assim como no Espírito Santo (Sudeste), não estão previstas iniciativas para presos com baixa ou nenhuma alfabetização. Em outros lugares, alguns tribunais afirmam incluí-los, sem especificar os termos no título.
Entre os presos brasileiros – que formam a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e da China – 53% são analfabetos ou não concluíram o ensino fundamental.
Lançado em fevereiro pelo governo do presidente Lula, o “Plano Pena Justa” visa, entre outras coisas, equipar todos os presídios com escolas e garantir acesso ao sistema de redução de pena por meio da leitura para 60% dos presos até 2027. “É urgente tomar medidas para aprimorar o sistema prisional brasileiro”, conclui Rossaly Lorenset. “Ler na prisão é uma ferramenta que pode contribuir para uma vida melhor dentro e fora dos [seus] muros […] Sim, a leitura pode ser uma saída.”
Courrier International