Tatuagens faciais hindus, uma tradição em risco de desaparecer no Paquistão

Tatuagens faciais hindus, uma tradição em risco de desaparecer no Paquistão
▲ Na era das mídias sociais, as jovens se consideram pouco atraentes com desenhos geométricos no rosto, braços e mãos. Mudar-se de suas aldeias também contribui para a perda dessa prática secular. Foto: AFP
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Jornal La Jornada, domingo, 24 de agosto de 2025, p. 3
Umerkot. Depois de misturar carvão com algumas gotas de leite de cabra, Basran Jogi, de 60 anos, volta sua agulha para suas convidadas do dia: duas garotas paquistanesas que vieram fazer sua primeira tatuagem tradicional.
Em aldeias hindus na fronteira leste do Paquistão, perto da Índia, tatuadores usam agulhas para desenhar linhas pontilhadas, círculos e outros desenhos geométricos nos rostos, braços e mãos de meninas há séculos.
“Primeiro, traçamos duas linhas retas entre as sobrancelhas”, explica Jogi. “E então inserimos delicadamente a agulha entre essas duas linhas até que o sangue apareça”, continua ele.
Pooja, de 6 anos, faz uma careta enquanto os pontos começam a formar círculos e triângulos em sua testa e queixo. Sua irmã mais velha, Champa, de 7 anos, fica impaciente: "Eu também estou pronta!"
Essa visão antes comum se tornou cada vez mais rara nos últimos anos, à medida que mais famílias hindus — apenas 2% dos 255 milhões de habitantes da República Islâmica do Paquistão — se mudam para viver na cidade.
“A última geração”
“Essas tatuagens nos tornam identificáveis na multidão”, diz Durga Prem, uma estudante de engenharia da computação de 20 anos de Badin, uma cidade na província de Sindh, no sul, onde a minoria hindu está concentrada.
"Nossa geração não gosta mais delas. Na era das mídias sociais, as jovens evitam fazer tatuagens no rosto porque acreditam que esses desenhos as tornariam diferentes e pouco atraentes", disse ela à AFP.
Sua irmã Mumta também se recusou a fazer as tatuagens dos pontos que adornam os rostos de sua mãe e duas avós.
Mas "se tivéssemos ficado na aldeia, provavelmente teríamos essas tatuagens no rosto ou nos braços", diz ele.
Em um país onde minorias não muçulmanas se sentem discriminadas em muitas áreas, "não podemos forçar nossas filhas a continuar" fazendo tatuagens, diz o defensor dos direitos hindus Mukesh Meghwar.
"É uma escolha delas. Mas, infelizmente, podemos ser a última geração a ver tatuagens no rosto, pescoço, mãos e braços das mulheres", acrescenta.
Em sua opinião, alguns comentários de outros paquistaneses também são "desfavoráveis", já que algumas escolas do islamismo condenam tatuagens.
Segundo antropólogos, isso significaria o fim de uma prática secular, profundamente enraizada na cultura. Tanto que a maioria dos hindus entrevistados pela AFP defende as tatuagens, mas admite não conseguir explicar seu significado.
“Para afastar os maus espíritos”
"Esses símbolos fazem parte da cultura de povos originários da civilização do Indo", durante a Idade do Bronze, diz o antropólogo Zulfiqar Ali Kalhoro.
“Essas 'marcas' eram tradicionalmente usadas para distinguir membros de uma comunidade” e para “afastar espíritos malignos”, ele descreve.
Para Jogi, a tatuagem é acima de tudo “uma paixão” por embelezar o rosto das mulheres.
“Elas não são feitas por nenhuma razão específica, é uma prática que existe há muito tempo”, ele explica, enquanto inspeciona cuidadosamente os rostos recém-tatuados de Pooja e Champa.
Agora, os pontos que adornam suas testas são de um preto profundo e depois ficarão verde-escuros e permanecerão assim até seus últimos dias.
Basran Jogi e Jamna Kolhi podem atestar isso.
“Essas tatuagens foram desenhadas para mim por um amigo de infância que morreu há alguns anos”, diz Kolhi, 40.
"Quando os vejo, penso nela e na nossa juventude. É uma lembrança que durará a vida toda", diz ele.
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