Promotor revela como grupos de pedófilos atuam em jogos online e redes sociais.
Uma menina entra em uma casa que ela não conhece porque segundos antes alguém que disse ter a idade dela a convidou. Um menino sai com um estranho que gosta dos mesmos jogos, da mesma música e talvez, como ele, esteja triste ou bravo com seus pais. Tudo isso é a internet, um lugar de risco. E nós, adultos, temos que dizer às crianças que o que elas não fariam na rua, também não devem fazer no mundo virtual. Temos que explicar a elas quem elas podem encontrar e o que pode acontecer com elas.
A metáfora e as palavras são de Tomás Vaccarezza. Ele é o responsável pela 17ª Promotoria Especializada em Crimes Informáticos de Buenos Aires e recebe LA NACION em seu escritório, onde não passa muito tempo. Investigações de campo, condução de julgamentos contra pedófilos ou acompanhamento de forças de segurança em incursões consomem quase todo o seu tempo de trabalho.
Vaccarezza tem 27 anos de experiência no sistema de justiça e 15 anos dedicados à investigação de crimes cometidos por adultos contra a integridade sexual de meninas, meninos e adolescentes . A entrevista estava apenas começando quando ele recebeu uma ligação informando sobre uma operação e a prisão de um possível predador sexual infantil online, ou "aliciador". Em meio a essa turbulência, ele explica como esses criminosos operam e oferece algumas notícias animadoras: embora os casos de assédio infantil estejam aumentando, ele prevê que eles estejam gradualmente se estabilizando "graças à educação digital nas escolas e às informações na mídia".
Mas ele alerta logo de cara: os riscos aos quais as crianças estão expostas são principalmente o cyberbullying ou grooming, que na CABA aumentou quase 21% entre 2022 e 2024, e os crimes de distribuição, divulgação e produção de imagens de exploração sexual infantil, que estão em franca ascensão, não só na CABA, mas em todo o país: "A Argentina é uma grande consumidora desse material em comparação com outros países, o que é preocupante porque é um indicativo do grande número de pedófilos no país".
−Em uma época em que as crianças têm acesso a um celular em média a partir dos 9 anos , qual é a principal forma de pedófilos ou aliciadores entrarem em contato com as crianças?
−O risco é multidirecional. Eles começam a jogar jogos como Roblox, no Play; nas redes sociais, como Instagram ou TikTok; ou em qualquer tipo de plataforma onde haja acesso a um chat. O pedófilo na web não pesca com moscas, ele pesca com dinamite. Hoje eles estão em qualquer tipo de aplicativo e podem assediar dezenas de pessoas ao mesmo tempo.
−Você costuma operar com algum padrão específico?
−Ela finge ser um garoto e aos poucos faz amizade com ele, com a intenção de depois pedir-lhe imagens íntimas ou sexuais. Isso pode levar a uma reunião e abuso. Acontece também que muitas vezes faz parte do universo infantil, é um professor, um psicólogo, um treinador que começa a fazer contato no mundo virtual com a desculpa, por exemplo, de formar um grupo de jogos online.
-Qual é a maneira que eles encontram para extorquir o menino para fazer o que eles pedem?
−O mais comum é dizer a ele que se ele não continuar enviando imagens íntimas, ele contará aos pais ou compartilhará com seu grupo de amigos. Porque o mais provável é que um amigo do rapaz tenha recebido um convite de amizade daquela pessoa. E esse amigo, vendo que aquela pessoa é amiga do seu amigo, o aceita. Em todos os casos, é preciso saber que o menino é sempre a vítima.
−E as novas plataformas que estão surgindo? Recentemente houve conversas sobre o OmeTV , uma plataforma onde crianças podem fazer videochamadas aleatórias com usuários do mundo todo. As empresas podem ser obrigadas a aplicar filtros mais rigorosos para impedir que crianças ou adolescentes acessem ou controlem o que acontece nessas plataformas?
−Temos que nos manter constantemente atualizados sobre tudo o que está surgindo, mas a verdade é que há um problema aqui entre a privacidade que as empresas oferecem aos seus clientes e o fato de que as crianças estão usando plataformas que não foram projetadas para elas e mentindo sobre sua idade para usá-las. Portanto, além da cooperação que pedimos às empresas, os pais devem implementar todos os filtros de controle parental nos aplicativos que podem usar. Veja até mesmo suas redes e com quem eles entram em contato. Isso não é um ataque à privacidade deles, é uma forma de protegê-los. Também é fundamental conversar com eles e dizer-lhes diretamente quais são os riscos que correm se entrarem em contato com estranhos e como esses estranhos operam.
−Na maioria dos casos, é a criança que avisa os pais ou são os pais que descobrem que a criança está sendo vítima de bullying?
- Geralmente são os irmãos mais velhos que descobrem, não os pais. E quando um pai descobre isso, geralmente é por acaso, porque o filho deixou a sessão do computador aberta. E eles sempre ficam surpresos.
−As crianças dão algum tipo de sinal quando estão sendo assediadas e intimidadas?
−Quando o assédio ocorre por um período prolongado ou quando algum tipo de abuso é consumado, elas são mais afetadas. Eles parecem retraídos, nervosos, muito isolados e absortos em seus celulares. Os pais costumam observar esses sintomas, mas já é tarde demais. É por isso que a prevenção e a denúncia constante são importantes.
−Que medidas um adulto deve tomar nesses casos?
−Sempre registre uma reclamação, não apague evidências, conversas ou imagens e evite contato com o tosador para que ele não perceba que foi avistado por um adulto. Isso porque se ele apagar o perfil da rede pela qual entrou em contato com o rapaz, a plataforma não poderá nos passar as informações dele.
−O que acontece depois que a reclamação é registrada?
−Todas as reclamações são investigadas. Pedimos apenas que as famílias nos tragam o celular da criança ou o meio pelo qual os contatos foram feitos, para que possamos fazer uma cópia do material. Talvez, dependendo do caso, o menino tenha que testemunhar na Câmara Gesell, mas tentamos ter todas as provas para evitar isso. E basicamente, tentamos garantir que as famílias, além de efetuarem uma prisão, saibam exatamente o que aconteceu e como aconteceu. Além disso, o Espaço de Atendimento à Criança e ao Adolescente (ANNAVI) oferece apoio psicológico e orientação às famílias.
-Quanto as plataformas colaboram?
−Eles geralmente fornecem ajuda e nos fornecem endereços IP pelos quais podemos determinar as áreas onde eles se conectaram. Em seguida, são tomadas uma série de medidas que envolvem a análise de fontes abertas, como seu perfil do Facebook e o número de telefone ao qual ele está vinculado. Temos programas que cruzam dados e assim obtemos informações sobre onde eles se conectam, o que fazem, com quem mais eles se conectam e quem são seus familiares. Às vezes, muitos desses catadores estão no exterior, e é nesse momento que gostaríamos que a colaboração internacional fosse mais bem azeitada.
-Qual é o problema que surge nesses casos?
−Se determinarmos, por exemplo, que o tratador mora no México, a única coisa que podemos fazer é enviar a investigação para esse país. Mas não sabemos o que o Ministério Público faz. Garantimos às famílias que elas saberão como os eventos ocorreram, mas não muito mais que isso. É algo que precisa ser trabalhado.
−O que acontece depois com as imagens íntimas que um menino pode compartilhar com a pessoa que o assedia? Elas param de circular?
−Não, infelizmente, o mais provável é que o groomer já tenha divulgado para outras pessoas, porque eles sempre operam em rede, trocando material. O que fazemos é notificar uma organização internacional que rastreia essas imagens nas redes sociais que a criança ou adolescente já foi protegida e que o caso foi levado à justiça.
-Quantas sentenças existem em média por ano?
−Em média, e entre diferentes crimes, chegamos a cerca de 80 por ano. A pena que um tratador deve cumprir é normalmente de seis meses a quatro anos de prisão, dependendo da natureza do assédio e do dano. Quando abuso é cometido, penalidades são adicionadas. Há o caso de um homem que foi condenado a 20 anos. Depois houve o caso de um professor de caratê, um pai, que morava em Las Cañitas. Ele assediou e abusou. Iniciamos a investigação no Ministério Público e ela terminou posteriormente no tribunal nacional, que o condenou a 40 anos. Já os crimes contra a integridade sexual, em que são distribuídas, difundidas ou produzidas imagens íntimas de crianças, podem ser punidos com penas entre 4 e 8 anos. Quando há produção pode haver abuso e aí a pena é maior.
−Qual é o perfil de quem comete esses diferentes crimes?
-A grande maioria são homens. O número de mulheres é pequeno. Quanto às suas características, não há um perfil específico: são homens entre 20 e 80 anos; podem ser pais, profissionais, desempregados, estudantes ou pessoas solteiras que vivem sozinhas ou com os pais.
-Qual é o crime que mais cresce?
−Crimes envolvendo distribuição, disseminação ou produção de material sexual infantil, que envolva tirar fotos ou gravar fotos de menores, estão aumentando. Nestes casos, que são crimes contra a integridade sexual, pode haver ou não abuso. Recebemos esses relatos por meio de canais de contato com o Ministério Público, outros órgãos e, a grande maioria, por meio de uma organização não governamental nos Estados Unidos, o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas. Pela lei federal daquele país, empresas digitais como Google, Instagram e outras devem enviar para essa ONG material de exploração sexual infantil que detectarem em suas plataformas. A organização então encaminha esses alertas para os países onde o material foi criado ou trocado.
−Quantas dessas imagens foram identificadas como originárias ou distribuídas em nosso país?
−No ano passado, 120.000 denúncias foram encaminhadas ao país por essa ONG, o que é preocupante porque implica que há cerca de 100.000 ou mais pedófilos na Argentina. Seria uma média de 1035 imagens por dia. E embora não haja muita produção, cada caso é analisado porque o objetivo é salvar as crianças dos abusos que elas podem estar sofrendo. Destas, após um filtro que aplicamos porque algumas imagens podem ser memes ou ter décadas, cerca de 2.200 correspondem à Cidade de Buenos Aires, e todas e cada uma delas são investigadas. Enviamos cerca de 13.200 para as províncias.
−Há sempre abuso por trás da divulgação de imagens?
−Muitas imagens podem ser criptografadas , o que significa que elas já foram detectadas por forças de segurança ao redor do mundo há algum tempo e receberam algo como um identificador digital exclusivo para diferenciá-las de imagens que podem não ter sido publicadas. Essas imagens inéditas são imediatamente encaminhadas para investigação, pois isso significa que quem começou a compartilhá-las também pode tê-las gerado, e há abuso contínuo. Mas a verdade é que este país consome mais do que produz.
−Considerando que há novas maneiras de atacar a segurança das crianças online com o surgimento da Inteligência Artificial e o aumento do cyberbullying entre crianças, você percebe alguma brecha legal que o impede de investigar, prevenir e, no caso de adultos, processar?
−Assédio digital, compartilhamento não autorizado de imagens e roubo de identidade agora são considerados crimes, embora possam ser incorporados como infrações penais, como ocorreu em algumas partes do mundo. Para todas as questões relacionadas a violações, menores de 18 anos não são responsáveis. Para crimes que acarretam penas superiores a dois anos de prisão, os maiores de 16 anos já são responsáveis. É por isso que penalizar o bullying por meio de mídias digitais é complexo, porque os agressores são menores de idade, e é uma violação, independentemente de qualquer intervenção que possamos fazer com a ANNAVI ou o Conselho Consultivo da Tutela. O que tem a ver com a produção e distribuição de imagens é abuso, aliciamento ou distribuição de imagens de exploração sexual infantil. Se um menino de 16 anos ou mais distribuir imagens de si mesmo fazendo sexo com uma menina de 14 anos, ele será punido por esse ato, pois a pena nesses casos é maior que 3 anos. Mas se o menino tiver menos de 16 anos, não é punível.
−E nesses casos, que respostas você dá aos pais?
−Como nos casos de cyberbullying ou divulgação de imagens sem consentimento, sugere-se outra abordagem, que não envolva o sistema de justiça criminal. Aí intervém o Gabinete Consultivo Tutelar e há uma lei [ 223 ] no Ministério da Educação que obriga as escolas a intervir nestes casos através de um protocolo. Os pais podem resolver o problema por meio da escola ou, possivelmente, do Ministério da Educação. O papel da escola nesses casos é fundamental.
−Em outros casos não classificados, é difícil investigar um crime contra menores?
−Em casos bastante inéditos, como aqueles em que são criadas imagens de nudez por meio de geração de imagens por IA e em que é utilizado o rosto de uma menor, sustentamos que a integridade sexual dessa menor fica igualmente comprometida, já que a única que sabe que não é ela é ela. E nesse caso, enquadramos isso na distribuição de imagens, mas não tivemos resoluções definitivas, embora tenhamos resolvido dessa forma. Quando isso ocorre entre pares, menores de idade e pessoas não responsáveis, menores de 16 anos, sempre recomendamos que seja denunciado mesmo assim, pois devemos descartar a existência de um adulto por trás da criação dessas imagens.
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