La Salada. Desmantelar a feira não resolverá a situação precária.
SANKT GELLEN, Suíça
La Salada é um fenômeno peculiar. Sua aparição periódica no debate público frequentemente desperta preconceitos, reproduzindo mitos e sentimentos que parecem exagerar sua verdadeira natureza: um mercado informal de roupas localizado a apenas um quilômetro da cidade de Buenos Aires. Neste artigo, proponho questionar vários desses lugares-comuns, certo de que, para alcançar resultados diferentes e deixar de pensar em La Salada como um fenômeno criminoso, é necessária uma perspectiva mais cautelosa e abrangente.
Para a política, formalizar a feira tem sido um risco eleitoral e não uma oportunidade.
A La Salada existe porque a maioria da sociedade argentina sofre de um grave problema de acesso a roupas produzidas formalmente. Trata-se, portanto, de um fenômeno intimamente associado à crescente desigualdade social. E, como tal, não é um fenômeno argentino, visto que mercados exatamente iguais ou até maiores existem no Brasil (Feira da Madrugada) ou na Itália (Macrolotto). O problema de acesso a roupas provavelmente se deve a um conjunto de fatores como, por exemplo, o custo da mão de obra, a carga tributária ou os baixos salários. Para entender o problema, é importante observar que, há muito tempo, a maioria das famílias não consegue obter roupas apenas em shoppings ou lojas de "marca". O outro lado dessa dificuldade é, então, uma demanda generalizada por roupas acessíveis, que a La Salada atende. Dois esclarecimentos se fazem necessários aqui. Primeiro, a La Salada não é mais "o shopping dos pobres", como Jorge Ossona escreveu certa vez. Todos os segmentos da sociedade argentina — alta, média e baixa — compram roupas vendidas pela La Salada. Você, leitor, pode dizer: "Mas eu nunca fui à La Salada!" O segundo esclarecimento é em resposta ao seu comentário: conscientemente ou não, você tem comprado roupas na La Salada, que é uma espécie de mercado central de roupas: as peças expostas lá são revendidas em outras feiras — as famosas "saladitas" — e também em inúmeras lojas de bairro em todas as cidades do país.
A esta altura, fica claro que La Salada é muito mais do que uma propriedade localizada em Lomas de Zamora. Os três mercados deste complexo — Punta Mogote, Ocean e Urkupiña — são apenas o primeiro elo da cadeia de distribuição de roupas fabricadas em cerca de 24.000 oficinas espalhadas pela região metropolitana de Buenos Aires. As peças que saem dessas oficinas são vendidas nas 8.000 barracas que a feira aluga para milhares de fabricantes ávidos por exibir suas criações. E, se olharmos para a cadeia de distribuição, os quase 200 ônibus de longa distância que chegam diariamente a La Salada transportam roupas que são revendidas em todo o país, incluindo cerca de 500 "saladitas" (pequenas saladas) que replicam o modelo de negócio. Como se não bastasse, essa economia estimulou outras atividades, como o transporte, a venda de insumos para a produção de roupas, o comércio ambulante, o mercado imobiliário e assim por diante. Trata-se, portanto, de uma economia gigantesca que gera até mais empregos do que o setor formal de vestuário.
Informalidade e custos
As peças vendidas pela La Salada são acessíveis porque são fruto de uma economia informal do início ao fim, da produção ao consumidor final. Esta é a característica central da informalidade nesta economia: o descumprimento de uma ampla variedade de regulamentações, tanto na fase de produção quanto na de distribuição. Embora o sistema de imposto fixo seja generalizado, as regulamentações relacionadas a licenças para oficinas e negócios, registro de trabalhadores e medidas de segurança são violadas, e vários tipos de impostos e taxas são sonegados. Mas é justamente esse descumprimento que permite a redução de custos e transforma a La Salada em uma economia capaz de oferecer produtos acessíveis. Se todos os atores desta economia cumprissem todas as regulamentações necessárias, esta feira entraria em colapso.
Por fim, antes de abordar as respostas do governo, gostaria de abordar a crítica pela qual La Salada frequentemente aparece no noticiário: a ilegalidade. Já mencionei que se trata de uma economia informal, algo que não difere de outros setores da economia argentina. Mas a preocupação popular parece ir além e se concentrar na "falsificação de marcas". Em La Salada, metade das peças de roupa à venda exibem logotipos que violam a lei de marcas registradas. A outra metade não exibe marcas falsificadas e, portanto, não viola a lei. Além disso, muitos fabricantes desenvolveram suas próprias marcas. Mas a ideia de falsificação também é enganosa, pois em La Salada, pouquíssimas peças de roupa são exatamente iguais às originais de uma marca famosa. Estas últimas são peças cujo valor advém justamente da produção de uma réplica exata, por exemplo, de uma camisa da seleção argentina. Nas oficinas que visitei, as peças são projetadas de acordo com diversos critérios, como preferências do cliente, disponibilidade de tecido, tendências da moda, etc. Em última análise, a falsificação se manifesta no uso indevido de logotipos de marcas famosas, que são adicionados por um único motivo: porque as pessoas os desejam e os compram. Assim, a ênfase na ilegalidade de La Salada parece fazer parte de um padrão duplo: a ilegalidade é denunciada e a "ordem" é exigida, enquanto roupas com logotipos falsificados são compradas a preços que só são possíveis se as regras forem quebradas.
Respostas do governo
La Salada começou a se desenvolver na década de 1990, impulsionada pela indexação ao dólar que, ao mesmo tempo em que contribuía para o desmantelamento da indústria nacional de vestuário, agia como um ímã para migrantes de países vizinhos. Por volta de 2001, ao contrário da economia formal, La Salada vivia seu auge. Ao longo dos anos, esse mercado tornou-se um refúgio eficaz contra os altos e baixos da economia formal: tanto aqueles que precisavam gerar renda por meio da produção ou revenda quanto um segmento cada vez mais amplo da população em busca de roupas acessíveis afluíam para lá.
Da década de 1990 até agora, a resposta do governo a esse fenômeno tem se baseado na crença de que um livre mercado em La Salada trará bem-estar e progresso. Isso pode parecer paradoxal, mas os governos peronista, de Cambiemos ou de La Libertad Avanza não investiram em processos de formalização que levem em conta as capacidades empreendedoras de milhares de empreendedores, a heterogeneidade do setor ou a realidade do modelo de negócios que prevalece em La Salada. Não foram desenvolvidas estratégias, por exemplo, voltadas para o desenvolvimento tecnológico de oficinas, a melhoria da infraestrutura ou a criação de regimes tributários especiais. Longe de soluções que tendam à formalização com base na valorização da vontade de trabalhar e da criatividade neste setor, o livre mercado tem sido escolhido como um mecanismo para corrigir o preço das roupas, mas também como uma forma de disciplinar um setor estigmatizado da sociedade.
A fé no livre mercado tem sido implementada de duas maneiras. A primeira é por meio do que poderíamos chamar de "tolerância governamental estratégica", que consiste em não aplicar a lei em diversas áreas da economia. Governos nacionais, provinciais e municipais se recusaram a controlar, realizar inspeções ou aplicar regulamentações, acreditando que a lógica de mercado de La Salada não apenas os ajudaria a vencer eleições, mas também resolveria problemas como desemprego, acesso a roupas ou potenciais protestos. A formalização, como estratégia de política pública voltada para garantir o exercício de direitos e criar uma sociedade mais igualitária, tem sido percebida como um risco eleitoral e não como uma oportunidade. Mas essa fé no livre mercado nem sequer inclui um Estado mínimo, como proclama o credo neoliberal. Pelo contrário, a economia de La Salada abraçou o lado informal e brutal do Estado para resolver seus problemas, como a extorsão para arrecadar fundos para campanhas políticas.
A liberalização comercial é a segunda forma dessa crença de que o livre mercado sozinho pode resolver o problema do acesso a roupas e da informalidade em La Salada. Reduzir as tarifas de importação de roupas e calçados, tecidos e fios, como ocorre atualmente, aumenta a pressão sobre uma economia que já opera com altos níveis de mão de obra familiar não remunerada, baixa qualificação e uso intensivo de mão de obra. O influxo de importações é uma solução ruim pela simples razão de que penaliza uma população já vulnerável.
Mudar esse cenário apresenta desafios que não são intransponíveis. Primeiro, é necessário aceitar que todos os atores envolvidos nesse fenômeno têm muito pouco incentivo para gerar mudanças. Recusar-se a controlar, supervisionar e, em última análise, formalizar esse setor por razões eleitorais deve levar a uma visão estratégica que também seja eleitoralmente lucrativa. Este é um passo necessário para modificar os incentivos de fabricantes e comerciantes que têm pouco ou nenhum interesse em promover mudanças; em última análise, suas fontes de renda dependem justamente da possibilidade de quebrar regulamentações. O mesmo pode ser dito dos feirantes cujo negócio é alugar barracas para uma legião de fabricantes que precisam de espaço para expor suas roupas. Diversos órgãos estatais, como a polícia, também carecem de incentivos, que historicamente capturaram recursos dessa economia. O segundo desafio é uma mudança de perspectiva: garantir que líderes políticos, empresariais e, por que não, jornalísticos, possam diferenciar entre criminosos e um setor econômico povoado por empreendedores que, em um ambiente extremamente hostil, conseguem fornecer roupas para um país inteiro.
Sociólogo e professor de Estudos Latino-Americanos na Universidade de St. Gallen, Suíça; autor de A Ordem Clandestina: Política, Forças de Segurança e Mercados Ilegais na Argentina

lanacion