Terapia como causa de conflito: "Se eu tivesse olhado para os meus problemas, talvez você não precisasse de terapia."

Experiências negativas da infância podem nos sobrecarregar até a idade adulta. Como podemos discutir construtivamente experiências difíceis da infância com nossos pais — sem nos tornarmos acusatórios.
Se encararmos a infância como um alicerce, uma base que nos sustenta mais tarde na vida, experiências negativas na infância podem nos desestabilizar seriamente – mesmo na vida adulta. Isso se aplica a traumas óbvios, como uma perda grave ou abuso. Mas necessidades não atendidas também podem nos moldar. Por exemplo, a necessidade de estabilidade e segurança, ou a necessidade de uma gestão emocional saudável.
Este é o caso de Jenny*, filha única e fruto de um divórcio. Ela passou a maior parte da infância e adolescência com a mãe solteira. As mudanças frequentes e a troca de parceiros da mãe, que ora moravam com elas, ora não, fizeram com que Jenny raramente se sentisse segura na infância e tivesse pouca estabilidade. Em vez disso, ela aprendeu desde cedo a deixar de lado suas próprias necessidades emocionais e a se adaptar.
Se não aprendermos a reconhecer, nomear e regular corretamente nossos sentimentos de forma saudável durante a infância, isso pode levar a problemas em nossos relacionamentos na vida adulta. O ideal é que, então, tomemos consciência desses padrões prejudiciais e trabalhemos neles — talvez sozinhos, em casos mais difíceis, ou talvez com a ajuda de terapia, no caso de uma doença mental.
Pode ser difícil falar com os pais sobre problemas de saúde mentalMas quando tentamos explicar aos nossos pais que certos eventos da nossa infância (ou como lidamos com eles) levaram aos nossos problemas de saúde mental atuais, eles frequentemente se sentem atacados. "Muitos pais reagem com incerteza ao saber que seu filho está buscando ajuda terapêutica – muitas vezes por medo ou por um sentimento de fracasso", explica a Profa. Dra. Petra Beschoner, especialista em psiquiatria, psicoterapia e medicina psicossomática e diretora médica da clínica de cuidados intensivos de Bad Saulgau.
Além disso, muitas vezes há uma discrepância na percepção: "Uma infância caracterizada pela insegurança e negligência da criança pode ter sido percebida pelos pais como completamente 'normal'."

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Principalmente quando os pais carregam consigo experiências de infância que nunca foram processadas. A mãe de Jenny, por exemplo, passou vários anos da infância em um asilo; seu pai era alcoólatra e morreu cedo; sua mãe estava sobrecarregada e quase inacessível.
Enquanto em gerações anteriores, como a da mãe de Jenny, a saúde mental e, especialmente, a terapia eram tabu, hoje, felizmente, a psique é vista como parte da saúde holística, e a psicoterapia está se tornando, lenta mas seguramente, uma opção legítima de tratamento. Cada vez mais pessoas falam abertamente sobre não se sentirem sempre bem ou sobre buscar serviços terapêuticos para processar certas experiências ou aprender ferramentas que as ajudem a lidar com suas emoções de forma mais saudável.
Isso também se aplicava a Jenny, que queria finalmente romper o ciclo de doença mental, repressão emocional e instabilidade. Contar isso à mãe, no entanto, não foi nada fácil.
Por que a parentificação muitas vezes agrava o problema"Muitos adultos gostariam de conversar com os pais sobre experiências estressantes da infância, mas o obstáculo costuma ser significativo", confirma o Prof. Beschoner. "Os afetados muitas vezes temem sobrecarregar os pais ou desencadear neles sentimentos de culpa — especialmente se aprenderam desde cedo a ser responsáveis pelo bem-estar emocional dos pais." Isso se chama parentificação.
Jenny conhece bem esse fenômeno: sua mãe foi a única constante em sua infância. "Como resultado, sempre fomos muito próximas — talvez até demais." Durante a terapia, ela achou difícil se distanciar o suficiente para sequer reconhecer que certas coisas em sua infância não tinham corrido bem. "Muito menos que eu teria tido a coragem de sobrecarregar minha mãe com esses sentimentos."
Mas essa conversa também é desafiadora para os pais, diz o Prof. Beschoner. Muitos nunca aprenderam a falar sobre sentimentos e se apegam a crenças como "Você precisa ser forte" ou "Costumávamos ficar bem sem terapia". "A isso se soma, muitas vezes, a vergonha social: admitir que as coisas não estavam indo bem na família pode ser percebido como uma falha", explica o psicoterapeuta.
Apesar de todas as suas preocupações, Jenny ousou falar abertamente com a mãe sobre sua terapia: "Para não sobrecarregar minha mãe e nosso relacionamento, eu disse a ela que estava em terapia, mas prometi não compartilhar nenhum detalhe com ela". Mas sua mãe fazia perguntas repetidamente, provavelmente por medo do que Jenny poderia dizer e, acima de tudo, do que o terapeuta poderia "convencê-la" sobre sua infância.
"Bem, devo ter sido uma péssima mãe."Jenny conta que até teve conversas construtivas com a mãe de vez em quando. Nos bons momentos, sua mãe conseguia refletir sobre a situação. Jenny se lembra particularmente bem de uma frase: "Se eu tivesse analisado meus problemas antes, talvez você não precisasse fazer terapia hoje", disse sua mãe certa vez.
Em outras ocasiões, porém, ela ficava bastante irritada. "Bem, eu devo ter sido uma péssima mãe se você não está se sentindo bem agora por minha causa", resmungava sua mãe às vezes. E depois: "Então eu também devo ser doente mental, porque minha infância foi muito pior que a sua."
Objetivamente falando, sua infância em um lar adotivo com um pai alcoólatra foi provavelmente mais traumatizante do que as constantes mudanças, as trocas de parceiros e a falta geral de estabilidade que Jenny vivenciou durante a infância. Mas, com tal declaração, a mãe nega à filha suas percepções e sentimentos. Como se pode estabelecer um diálogo construtivo em uma situação tão difícil?
Encontrem-se ao nível dos olhos – e suportem a ambivalênciaO terapeuta Prof. Beschoner aconselha: "Aqui, pode ser útil perguntar primeiro a perspectiva da mãe: 'Por que era assim naquela época? Como você administrava sua vida?'. Uma conversa olho no olho pode abrir a porta para o entendimento mútuo." No entanto, os pais nem sempre estão dispostos a confrontar o próprio passado. "Alguns precisam se apegar à própria interpretação para se autoproteger. Nesses casos, é importante não permitir que a própria percepção seja questionada — mesmo que os pais a vejam de forma diferente."
Entender o que fez dos pais o que são pode ser curativo, explica a especialista. "Não significa relativizar o próprio sofrimento, mas sim colocá-lo em um contexto mais amplo." A chave para isso é a capacidade de tolerar a ambivalência: é possível sentir-se triste e com raiva ao mesmo tempo em relação aos próprios ferimentos e ainda assim sentir compaixão pelos pais.
No entanto, essa ambivalência muitas vezes não é fácil de conviver. Na prática, ou seja, na vida cotidiana, as emoções individuais nesse coquetel de emoções – raiva, tristeza, medo, impaciência, frustração, compaixão, amor, culpa – não são tão fáceis de separar. "Se conseguirmos reconhecer juntos que experiências estressantes na infância não são um sinal de fracasso pessoal, mas frequentemente refletem influências intergeracionais, isso pode levar a mais compaixão por nós mesmos e por nossos pais."
Autoeficácia: Assumir a responsabilidade pela sua própria saúdeJenny também está praticando isso. Na terapia, ela aprende a aceitar seus sentimentos e, acima de tudo, a compartilhá-los com a mãe. Ao contrário dela, ela conseguiu construir um lar estável para si mesma, com quase 40 anos, e manter um relacionamento saudável por dez anos. Tudo o que ela não vivenciou ou aprendeu durante a infância.
Em última análise, Jenny e todos nós, como adultos, somos responsáveis por nós mesmos. "A terapia não consiste em encontrar alguém para culpar, mas sim em compreender as conexões", diz o Prof. Beschoner. "Aqueles que reconhecem as experiências difíceis da infância sem se perder nelas podem aprender a assumir a responsabilidade por suas próprias vidas." Isso não significa adoçar o passado — significa levar a própria dor a sério e, ao mesmo tempo, desenvolver a força para cuidar bem de si mesmos no aqui e agora.
* Nome alterado pelos editores
Brigitte
brigitte