Godzilla e a Bomba Atômica | Um Monstro Capitalista
Oitenta anos atrás, em 6 e 9 de agosto de 1945, o exército americano lançou bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. As detonações marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial também na Ásia. Com centenas de milhares de mortes, elas também se tornaram um símbolo do horror da guerra nuclear, cujos efeitos perduraram até o século XX. O ápice atômico da dialética do esclarecimento penetrou na consciência coletiva: no Ocidente, a bomba tornou-se principalmente um símbolo do potencial destrutivo do progresso tecnológico; no Japão, tornou-se um trauma.
Quando a tripulação do barco de pesca japonês "Fortunate Dragon V" foi vítima das consequências dos testes nucleares americanos no Atol de Bikini, em março de 1954, esse trauma retornou à consciência pública japonesa e encontrou uma manifestação pop-cultural marcante: um gigantesco lagarto monstruoso que emergiu do mar e destruiu a civilização. Godzilla é geralmente considerado uma adaptação cultural dos bombardeios atômicos e, portanto, a personificação de um mal inimaginável que se abateu sobre a sociedade japonesa. Ao mesmo tempo, Godzilla fundou o gênero Kaiju, ou filme de monstro gigante, e se tornou a franquia cinematográfica mais duradoura de todos os tempos, com adaptações que se estendem até o último filme, "Godzilla x Kong", em 2024. Se levarmos a sério a tese de que Godzilla, em sua essência, representa o processamento do trauma pela sociedade, as inúmeras reinterpretações e reinvenções do personagem e de seus sintomas permanecem reveladoras até hoje.
Destruidor e ProtetorOito meses após o incidente do barco, o primeiro filme de Godzilla foi lançado no Japão em 1954 e imediatamente se tornou um sucesso de bilheteria. Nele, o monstro rugidor, cujo nome é uma combinação das palavras gorila e baleia, é despertado de um sono antigo por testes de bomba atômica e então devasta Tóquio com raios de calor atômico. É pura maldade que deve ser derrotada com grande sacrifício para curar a orgulhosa alma nacional japonesa – e, afinal, pós-fascista. Godzilla é uma força hostil cuja superioridade, através do tamanho e do sopro atômico, trazia os traços claros daqueles inimigos de guerra no Ocidente, com os quais, no entanto, os perdedores da Segunda Guerra Mundial estavam em processo de reconciliação e reaproximação econômica. Essa reaproximação incluiu uma transferência cultural; por exemplo, o sucesso de massa Godzilla também foi exibido em uma versão cinematográfica americana, embora editada de tal forma que nenhuma imagem das cidades japonesas destruídas pudesse dar origem a críticas às ações dos EUA.
Apropriado pela indústria cultural americana, Godzilla passou por uma reinterpretação crucial no cinema japonês nos anos seguintes e por meio de várias sequências: de uma ameaça catastrófica, tornou-se um símbolo nacional e salvador. Os primeiros 15 filmes da chamada série Showa, até 1975, refletem, assim, a história nacional ambivalente entre o fim do imperialismo japonês com a derrota na Segunda Guerra Mundial, anunciada pelo imperador ao povo após o bombardeio atômico, e o enorme "milagre econômico" do pós-guerra. Enquanto o "povo" japonês teve que se submeter ao poder superior de Godzilla, ele logo se uniu a ele na luta contra outros monstros, como dragões de três cabeças, monstros das profundezas do mar, caranguejos gigantes, mariposas gigantes e o macaco King Kong. A inferioridade do imperialismo imperial da época no moderno sistema capitalista de poder é compensada pela identificação excessiva com o desempenho econômico, como um substituto para o orgulho nacional despedaçado – um mecanismo que pode soar muito familiar aos alemães.
A ambivalência dessa relação com a dominação abstrata se reflete na figura do próprio Godzilla, que parece protetor, mas não menos ameaçador, e cuja batalha deixa um rastro de devastação. Desde o início, essa destruição definiu o gênero de filmes de monstros: cidades são arrasadas, pontes são derrubadas, linhas de energia são arrancadas. O ressentimento contra a civilização e o mal-estar da sociedade moderna são aqui desabafados por essa antiga criatura da natureza. Até hoje, há um prazer proibido em assistir arranha-céus desabarem sob os chutes e socos dessas megacriaturas. Ao mesmo tempo, porém, Godzilla também lutou como representante em grandes conflitos sociais contra monstros gerados pela poluição ambiental, invasão ou biotecnologia.
Humildade diante do monstro pré-históricoGodzilla combina, assim, sentimentos ambivalentes de impotência, medo, vingança e destrutividade, canalizando-os para o que poderia ser descrito como uma fórmula moderna clássica de poder: humildade. Contra a megalomania (nuclear) da humanidade, somente um retorno às forças místicas pré-civilizacionais e à sua ordem natural pode ajudar. E aí reside a grande promessa autoritária, pois somente submetendo-se a esses poderes se obtém a verdadeira força. Essa ideia permeia o desenvolvimento posterior dos filmes de Godzilla e também aparece de forma modificada nas adaptações americanas posteriores, em direção ao milênio.
Em 1998, Roland Emmerich abordou o material na primeira produção de Hollywood. Seu "Godzilla" foi criticado e ridicularizado pelos fãs como GINO – sigla para "Godzilla in Name Only" (Somente o Nome de Godzilla). O monstro é imaginado aqui como um lagarto mutante resultante de testes de bombas nucleares francesas (!) no Pacífico. Ao longo do filme, no entanto, o mutante se revela uma criatura da natureza, ou seja, uma mãe carinhosa que está apenas em busca de habitat e proteção para seus filhotes sob o Madison Square Garden, em Nova York.
A adaptação cinematográfica de muito maior sucesso da série MonsterVerse, que começou com "Godzilla", de Gareth Edwards, em 2014, e foi recebida positivamente até mesmo no Japão, foca mais uma vez em Godzilla como uma criatura pré-histórica. Nesta versão, os testes nucleares americanos da década de 1950 — que já eram tentativas de matar o monstro pré-histórico Godzilla — infelizmente despertaram outras criaturas do interior da Terra. Esses parasitas atômicos estão agora causando estragos no mundo todo em sua busca por alimento. A humanidade está chegando ao seu limite, pois esses parasitas atômicos não podem ser combatidos com armas nucleares, que são as únicas armas poderosas o suficiente para derrotar os gigantes. Assim como no primeiro filme de Godzilla, de 1954, o cientista Ishiro Serizawa (Ken Watanabe) personifica o dilema: para impedir que o almirante comandante lance um ataque nuclear inútil, o pesquisador usa o relógio do pai, que havia parado na manhã de 6 de agosto de 1945, para alertar o mundo. "A arrogância humana reside na crença de que a natureza está sob seu controle", diz Serizawa. "A natureza tem uma ordem, uma força que restaura o equilíbrio." Godzilla "é essa força". E, portanto, os humanos não têm escolha a não ser deixar Godzilla lutar contra os monstros.
A naturalização do capitalismoOnde os humanos desequilibraram a natureza, e agora se espera que a própria natureza – de forma altamente destrutiva – encontre seu caminho de volta à harmonia, os humanos são consequentemente reduzidos a meros espectadores. Desamparados, eles assistem ao desenrolar de eventos que não são mais sua história no verdadeiro sentido da palavra, mas são determinados por forças além de seu controle. Ao mesmo tempo, eles se tornaram insignificantes, como os personagens simplistas dos filmes do MonsterVerse, que foram criticados em inúmeras análises.
O tema de uma força natural destinada a equilibrar os excessos humanos foi cada vez mais encontrado nessa época em filmes como "Jurassic World", de 2015. Aqui, trata-se de dinossauros geneticamente modificados, criados com fins lucrativos, contra os quais apenas o verdadeiro Tiranossauro Rex pode ajudar. O excesso perverso é regulado por um retorno a um equilíbrio saudável — uma ideia que provavelmente é, em primeiro lugar, uma resposta tardia à crise financeira global, num "capitalismo predatório" desenfreado.
Por trás do pessimismo cultural que supostamente almeja um retorno à ordem natural, contudo, reside apenas a naturalização do capitalismo. O equilíbrio desejado não é a superação das condições que levaram à destruição, à guerra e à morte nuclear, mas um retorno ao ponto em que o mundo (capitalista) ainda parecia estar em ordem. Essa ideologia do capitalismo moderado nada mais é do que uma reconciliação barata com condições destrutivas: não apenas porque transforma sumariamente o horror real – para usar a metáfora, o ataque de um lagarto gigante monstruoso – em uma solução em vez de um problema. Em vez disso, o capitalismo, como um suposto estado natural, abre caminho para a regressão, como demonstra de forma impressionante o último filme japonês de Godzilla da chamada série Reiwa, "Godzilla Menos Um", de 2023.
O filme vencedor do Oscar foi aclamado internacionalmente principalmente por sua trama envolvente, que, em contraste com as produções de Hollywood, oferecia personagens com profundidade e uma exploração genuína do trauma de guerra japonês. Em sua essência, porém, este é um épico heroico nacionalista, digno de um livro ilustrado, que prospera no conflito metafísico entre o bem e o mal em que Godzilla se transformou ao longo das décadas. A história centra-se no piloto kamikaze desertor Kōichi Shikishima (Ryūnosuke Kamiki), cuja "covardia" em não se sacrificar em um ataque suicida pela guerra japonesa permitiu que Godzilla escapasse durante um ataque a uma base militar. Shikishima então convive com a "vergonha" por anos, vivenciando o boom econômico do Japão, mas o mundo perfeito é atormentado pelos ataques de Godzilla. Somente seu sacrifício em um ataque suicida final pode acabar com o trauma.
É claro que o filme tem um final feliz, incluindo a perspectiva de uma eterna repetição da luta contra o mal. Godzilla é novamente declarado um inimigo, mas um inimigo interno. Essa reinterpretação é simultaneamente uma espécie de retorno às raízes, mas também carrega os sinais de uma época de regressão, de competição beligerante no mercado global e de nacionalismos crescentes. Em tudo isso, não se deve esquecer: o monstro que assola o mundo em diversas formas há 80 anos é um monstro que nós mesmos criamos.
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