A oposição russa está irremediavelmente dividida e não tem ideias sobre o que deve acontecer com Putin


Uma das propagandistas mais notáveis e estridente do Kremlin, Margarita Simonyan, fez a seguinte declaração após a morte de Navalny em fevereiro de 2024: "Sem ele, a oposição russa se pareceria com uma galinha decapitada, esvoaçando mecanicamente pelo pátio, sem saber para onde ou por quê." Essa imagem maldosa é factualmente incorreta. O fato é que não existe uma oposição russa unida a Putin.
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Existem várias correntes, duas das quais são as mais importantes. De um lado, estão os apoiadores de Navalny, que acreditam em uma bela Rússia do futuro. Do outro, há a oposição mais radical e linha-dura, que acredita que o melhor seria a Rússia se desintegrar no futuro, pois isso seria extremamente prejudicial ideologicamente.
Em 4 de junho de 2025, Alexei Navalny completaria 49 anos. Em seu aniversário, parentes e amigos do falecido se reuniram no Cemitério Borisovskoye, em Moscou – apenas algumas dezenas de pessoas presentes. Dezenas de milhares se reuniram no funeral de Navalny em março do ano passado, uma multidão vibrante e protestante, composta principalmente por jovens.
No último ano, o próprio nome Navalny, assim como quaisquer símbolos, por mais inócuos que fossem, que pudessem estar associados a ele, foram banidos sob ameaça de punição severa. O falecido Navalny tornou-se um mártir, uma lenda, a figura mais importante da oposição. Mas mesmo em vida, nem toda a oposição o seguiu — apesar de seu carisma, de sua aparência marcante e de sua popularidade entre o povo. As figuras mais radicais da oposição às vezes até o odiavam, vendo-o como um colaborador do Kremlin.
Ilusões dos oponentes de PutinEssa divisão da oposição em duas facções que se opõem mutuamente foi observada recentemente, quando três líderes da oposição — Yulia Navalnaya, Ilya Yashin e Vladimir Kara-Murza — compareceram ao Parlamento Europeu com propostas para continuar a ajuda à Ucrânia. Eles declararam: "Se vocês querem ajudar uma Rússia democrática, por favor, salvem a Ucrânia de Putin. Isso está definitivamente ao seu alcance", disse Yashin. A plateia aplaudiu.
Yashin esclareceu que, para ele, o fim da guerra na Ucrânia significa a retirada de todas as tropas russas da Ucrânia para a Rússia. "Não considero isso uma derrota para a Rússia, mas sim uma derrota para Putin."
Ambas as partes da oposição russa sofrem de utopia de uma forma ou de outra. Falar sobre a derrota de Putin é, na minha opinião, uma ilusão. Putin tem mais chances de iniciar uma guerra nuclear se for encurralado como um rato. Para mim, as palavras "derrota de Putin" soam bem neste contexto, mas não têm sentido.
Até certo ponto, a Europa precisa de uma oposição russa, principalmente para ter um aliado moral em seu amplo rearmamento contra uma possível agressão de Putin. Essa agressão é, sem dúvida, um conceito na mente de Putin; para ele, a Europa é uma pseudocivilização hostil.
Só Deus sabe o quanto ele acredita nisso. A Europa certamente atrapalha seu desejo de compartilhar esferas de influência com os Estados Unidos e a China. Mas vale a pena destruir esse obstáculo? Por que não? É claro que a Europa poderia reagir, muito mais do que a Ucrânia.
Indiferença dos russosOs radicais da oposição não ficaram nada satisfeitos com o fato de Yulia Navalnaya ter descrito os três líderes da oposição no Parlamento Europeu como uma oposição unida: "Nós representamos a oposição". O ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov explicou por que o Ocidente aparentemente não estava preparado para a agressão russa: "Porque toda essa gangue liberal (ou seja, a oposição moderada), que vive de subsídios, vem repetindo como um mantra todos esses anos que a Rússia está no caminho da evolução".
Mas se a esmagadora maioria dos russos apoia a guerra de Putin, como afirmam os oposicionistas radicais, por que essa guerra não se tornou uma guerra popular? Acredito que os russos têm uma resposta pronta em três níveis diferentes. Em um nível superficial, eles apoiam Putin porque é mais fácil conviver com um poder estatal do que contra ele. Em um nível mais profundo, muitos russos se opõem à guerra na Ucrânia — moralmente, porque não são belicistas.
Finalmente, em um terceiro nível, eles são indiferentes a tudo. Ou seja, são impotentes diante do poder estatal, especialmente em tempos de guerra, e, no fundo, não se importam com absolutamente nada. A propaganda do Kremlin tem sido bastante bem-sucedida, visto que o povo russo nunca foi uma nação política.
Os opositores radicais de Putin atacaram a troika de moderados, reclamando de suas roupas claras, da saia curta de Yulia e do fato de não terem informado claramente ao Parlamento Europeu a quem a Crimeia pertencia. De fato, os membros moderados da oposição no Parlamento Europeu não se pronunciaram sobre o assunto. Isso não é coincidência. Na Crimeia, a maioria da população é de ascendência russa.
Navalny também era excessivamente cauteloso em relação à Crimeia. Declarou que a península não era um sanduíche que pudesse ser simplesmente passado de mão em mão. É claro que ele sabia a quem a Crimeia pertencia — pelo menos, sabia que mudar de fronteira na Europa de hoje é uma loucura política. Mas sua decisão de não assustar o povo, tão feliz com a volta da Crimeia, também significou que ele abandonou os lugares-comuns de uma figura da oposição e assumiu a responsabilidade de um político inteligente.
De qualquer forma, para a maioria do povo russo, a oposição agora, durante os anos de guerra, é quase uma provocação. Se você estiver do lado deles, corre o risco de muitos anos de prisão. Mas se você não for um herói, então cale-se e submeta-se (ou assim o povo pensa).
A atitude ambivalente da EuropaHá uma série de diferenças entre a oposição branda dos apoiadores de Navalny e a oposição dura, como a do ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. Aqui estão dois exemplos claros. Ambas mantêm uma postura intransigente em relação a Putin. Mas enquanto a oposição branda, seguindo o legado de Navalny, luta contra a corrupção para concretizar o futuro brilhante da Rússia, a oposição dura entende que a corrupção torna a Rússia ainda mais falha e fraca — em suma, completamente inadequada para o futuro.
O grande problema, no entanto, é que ambas as correntes da oposição têm poucas chances de desempenhar um papel na política russa pós-Putin.
Mas se a Europa estiver disposta a ouvir a oposição russa no Parlamento Europeu, isso não significa que aqueles que fogem de Putin para a Europa estarão em melhor situação. A liberdade na Europa costuma deixar um gosto amargo para eles. Em 4 de junho de 2025, o Parlamento Europeu realizou uma mesa redonda sobre o caso de Irina Suslova, jornalista e ativista que solicitou asilo político na República Tcheca.
A história desesperada de seu confronto com a burocracia europeia tornou-se um símbolo do muro invisível que centenas de pessoas encontram. Há quase dois anos, a ativista está entre a cruz e a espada: até mesmo abrir uma conta bancária é impossível sem um documento de identidade oficial. Tudo isso torna a vida na Europa uma espécie de exílio por tempo indeterminado.
Durante a mesa redonda, Ilya Yashin falou sobre sua luta contra o Putinismo, mas concluiu seu discurso com declarações gerais sobre uma "Rússia pacífica, livre e democrática". Propostas concretas para ajudar os refugiados não foram mencionadas. A oposição russa não encontrou força nem vontade para aliviar a situação dos emigrantes russos e para tornar a assistência a eles parte de sua plataforma política.
A posição da Europa é certamente ambivalente. E não é a primeira vez. O destino de milhões de emigrantes russos no Ocidente, que viraram as costas ao seu país após a Revolução Bolchevique de 1917, foi deplorável. A história se repete.
Faltam ideias políticasA Ucrânia precisa da oposição russa? Os radicais acreditam que alguém com a experiência de um prisioneiro político não conquistou automaticamente a confiança dos ucranianos. A oposição moderada, liderada por Vladimir Kara-Mursa, condena os esforços dos Estados Unidos e da Hungria para normalizar as relações com a Rússia, mas alerta contra a atribuição de culpa coletiva aos russos.
Muitos membros do Parlamento Europeu expressaram seu apoio aos exilados russos e seu desejo de aumentar o apoio da União Europeia ao movimento pela democracia russa. O eurodeputado alemão Sergey Lagodinsky afirmou que a estratégia da União Europeia em relação à Rússia deveria consistir em três componentes: apoiar a Ucrânia e trabalhar com ela para deter Moscou, opor-se claramente a Putin e apoiar uma sociedade russa livre.
Embora a Europa continue ambivalente em relação à oposição russa a Putin, a oposição russa já não é muito respeitada nos Estados Unidos de Donald Trump. Trump prefere falar diretamente com Putin. Figuras da oposição russa, sejam elas rígidas ou moderadas, não seguem seu caminho — apesar de suas diferenças internas, suas visões estão mais próximas da Europa liberal do que as de Trump.
Será que o próprio Putin precisa mesmo de uma oposição russa hoje? Essa pergunta soa um tanto paradoxal, mas não é. Putin precisa de um inimigo interno: desde o falecido Navalny até os atuais presos políticos e aqueles que fugiram para o Ocidente. Todos eles são adequados para a pressão necessária em um regime autoritário, para intimidar aqueles que circulam em círculos perigosos onde se expressam críticas ao governo, seja no trabalho ou em casa.
Stálin precisou do Grande Terror para criar o novo homem soviético. Criar o novo homem de Putin também requer inimigos políticos, guerra e sacrifício — estes são os aliados de sua imortalidade política.
Se Putin subitamente deixasse o palco histórico, a guerra terminaria instantaneamente. Processos semelhantes aos do Degelo teriam início na Rússia. Mas mesmo que isso não acontecesse imediatamente, o povo, que até então era indiferente a tudo, começaria a se perguntar se essas mudanças seriam para melhor.
É difícil acompanhar as reformas russas. Lembro-me de que a Perestroika de Gorbachev já tinha dois anos quando, na companhia de vários outros escritores famosos, o embaixador americano me perguntou se a nossa Perestroika era realmente séria ou não. É por isso que a oposição russa hoje também precisa se abastecer de filosofia política — menos utopias, mais busca por mudanças realistas para melhor.
O escritor russo Viktor Yerofeyev vive exilado na Alemanha desde o início da guerra na Ucrânia. – Traduzido do russo por Beate Rausch.
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